sábado, 20 de setembro de 2025

EDUARDO BATARDA Galeria 111, 2000: "Quadro a quadro"

 "Quadro a quadro"

Galeria 111 , "Pintura" (Até 29 Abril)

Expresso, 19-03-2000

BATARDA regressa à 111 - por sinal, inaugurando o seu novo espaço - oito anos depois da anterior individual na galeria, dois anos depois da retrospectiva que o CAM lhe dedicou. Aí mostrara 17 novas telas que preenchiam o hiato, escassamente (em quantidade); agora expõe 16 quadros, dois deles vindos já da retrospectiva. Alguns outros, muito poucos, tinham surgido isoladamente, em ocasiões colectivas, sem desmentirem a raridade da produção recente, mesmo se esta foi retomada com maior regularidade.

Não admira que toda a exposição estivesse vendida na véspera, e também não importa agora questionar o quase silêncio que Batarda manteve ao longo dos anos 90. Aliás, tratou-se em grande medida de uma situação de ocultação, porque cerca de dois anos os tinha passado na concepção de um grande projecto de arte pública para a estação de Metro de Telheiras, até hoje sujeito a vicissitudes diversas e graves. Esse projecto, com 337 desenhos diferentes exaustivamente estudados para o espaço previsto, a que dedicou um grau de investimento muito raro, é (será ainda?) um trabalho marcante no seu itinerário e ficaria (ficará?) a sê-lo também entre os escassos itinerários da arte pública lisboeta. Mas outras ocultações existiram, por via dos que administraram as visibilidades da década.

Na retrospectiva, as obras em estreia respondiam à expectativa gerada pelo silêncio sem evidenciarem uma situação de viragem ou de afirmação de novas séries - Batarda não é um pintor de ciclos ou séries, como se preferisse a acumulação e sedimentação em cada quadro de todo o trabalho feito antes (e feito antes dele também) ao possível efeito breve de surpresa de uma qualquer mutação programada. Nesses quadros observava-se a exploração de linhas simultâneas de trabalho, onde a reconsideração de propostas ensaiadas em momentos diferentes do seu trabalho anterior se abria em novas pistas, aparentemente divergentes. «Porno-romanos», radiografias, letrismos reciclavam «fases» e sentidos anteriores com diferentes soluções.

Agora, essa diversidade de direcções persiste, frustrando a expectativa de um programa, via única, estratégia, que facilitassem uma leitura condensada do trabalho de Batarda. Em vez de um conjunto traduzível numa fórmula comum, em vez de uma exposição identificável por um enunciado sintético de «interrogações» ou por um estilo, o observador depara com a realidade manifesta da diversidade dos 16 quadros expostos, decerto agrupáveis por subconjuntos, temas, formatos, esquemas formais de composição, valores cromáticos, etc, mas sem convergirem numa síntese cómoda.

Não é de dispersão que se trata, menos ainda de desorientação. Desse aparente desencontro de direcções é a afirmação da identidade de cada quadro que sobressai como uma questão sempre em aberto (para o pintor e para o observador), como um desafio sucessivamente tentado e posto à prova na realidade material de cada tela, o qual importa reconhecer e avaliar em cada uma, diferentemente. Cada quadro coloca a questão decisiva de saber o que é um quadro conseguido (não é possível escrever um quadro perfeito). O que, entre meados de 80 e início dos anos 90, era, em cada quadro-soma, acumulação de referências, evocações e sentidos, sobrepostas como camadas e dispostos como peças de um «puzzle» talvez indecifrável, o que os transformava numa afirmação de virtuosismo e erudição extremos, é agora mais directo, mais claro, mais seco. 


Hispania Romana II, 1997, 200 x 160 cm

À «série» «Hispania Romana», com que retornara a um discurso abertamente figurativo, próximo das antigas aguarelas na junção da referência erudita à expressão vernacular, acrescentam-se dois novos quadros, o último reintegrando a malha dos saios dos centuriões numa estrutura central elíptica, na qual se encerra ou oculta o sentido mais descritivo dos anteriores. O formato paisagem desse nº 5 parece ditar as suas condições formais e a narração anedótica (porque não?) fecha-se num processo de encobrimentos e ocultações deixadas bem visíveis na tela.

Aliás, as questões de formatos e escalas parecem ter aqui uma intensidade muito marcada, patente nas quatro telas ao alto que retomam as construções em espiral, convertidas em irregulares linhas serpentinadas, as quais parecem prescindir do apelo a uma massa acumulada de referências ou «reflexões» sobre precedentes históricos e sentidos sobrepostos (cabeça, urna, elmo, capitel, etc) para explorarem o domínio das formas, o gosto das texturas, a riqueza das cores, a ilusão dos volumes, a imagem sem figura.


Love Handles, 1999/2000 160x130cm

Esta reentra nas «radiografias» do conjunto «Doctor B, C, G, Dr.», onde a representação do corpo, mais internamente sentido que visto, dá também lugar a sobrepostas segundas leituras brincadamente figurativas, usando com mestria a ocultação a negro. Outros corpo e rosto surgem em "Love Handles (pregas de amor)" e "Say Cheese", num jogo de figuração-desfiguração que toma uma nova expressão formal no seu trabalho.

Refiram-se ainda as duas telas em que reutiliza com auto-ironia o turbilhão elíptico, aqui mais ou menos desarrumado e com um sentido críptico que só com ajuda se decifra. Os «Espelho's» têm a ver com a estranha coincidência (?) entre a pintura de Batarda e alguns quadros recentes de Terry Winters, sugerido no título ("Outono") de uma tela e no W central de outra. Não é a posse de uma chave (nem a existência de uma fórmula, de um programa) que asseguram que se está diante de um quadro conseguido. É o facto de ela atrair e sustentar o olhar, de se impor como um objecto que resiste, que interpela, que se abre a leituras continuadas e divergentes, que nos fixa. Como aqui sucede por 16 vezes.


Catálogo com texto de João Miguel Fernandes Jorge. 16 reproduções.


sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Entrevista de Eduardo Batarda (1998): «Custa-me deitar fora o pouco que sei»

 

Batarda_capa

Foi uma das poucas capas do Cartaz do Expresso dedicada a uma exposição: a 14 de Março de 1998, por ocasião da retrospectiva no CAM. Sempre achei que raramente se justificava uma tal escolha, mesmo que as outras secções procurassem promover "obras primas" todos os meses.

 

«Custa-me deitar fora o pouco que sei»

Expresso Cartaz, 14 de Março de 1998
Na capa: Eduardo Batarda, Obras (in)completas

CAM, 3 de março a 10 de maio de 1998

Comissário (e texto do catálogo): Alexandre Melo

pp. 18/20: entrevista: «Custa-me deitar fora o pouco que sei» + «A pintura não é programável» (e também o texto crítico de José Luís Porfírio: “O olhar devorador”, esquecido na bibliografia do catálogo editado por Serralves em 2012)

Com uma entrada comum: "O percurso vertiginoso de uma obra que desde os primeiros trabalhos, nos anos 60, ocupa uma posição destacada e sempre polémica no panorama nacional. Eduardo Batarda, a pintura e a palavra"

A entrevista não vem incluída na Bibliografia passiva ("Publicações periódicas e monográficas"), pp. 357-359 do catálogo, mas aparece referida  numa "Bibliografia - selecção" que antecede a "Lista de Obras", nas pp. 329-330. Não se percebe o critério, mas adiante.



BATARDA faz a primeira retrospectiva com 33 anos de pintura, à beira de fazer 55 de idade. Na década anterior fez exposições quase anuais e esteve no centro das atenções de quem produzia ou acompanhava a mudança do panorama das artes, ou, melhor, era um eixo maior das transformações que pareciam suceder-se.
Depois, em torno da exposição de 1992 <Galeria 111>, fez-se um estranho silêncio e os poderes emergentes prescindiram da sua obra nos eventos com que se celebraram. O intervalo até à retrospectiva só tornou mais esmagador o trabalho que agora se mostra com a coerência e originalidade da sua inteira continuidade.
Sempre o considerei um dos três ou quatro artistas mais significativos, na conveniente destrinça entre excepções e praticantes regulares ou agentes hábeis. A obra não é amável nem facilita o seu êxito pelas regras dos circuitos dominantes e a entrevista demonstra que a palavra - abreviada para o lugar disponível - também é sempre demasiado informada, reflectida, sibilina e inoportuna. A retrospectiva, que alguns consideram «excessiva», aí está. Batarda fornece algumas pistas para quem a quiser ver.

Estão na moda as antologias em vez das retrospectivas, e a montagem carregada da exposição infringiria o bom gosto das instalações feitas nos museus.
E.B. - Nunca ninguém me disse que era suposto ser outra coisa que não uma retrospectiva e 33 anos de trabalho não pode ser pouca coisa. Apareceram muitos trabalhos, que podem dar uma ideia razoável do que foi a minha produção, mas também faltam alguns outros e não é porque tenha tentado escamoteá-los. Eu julgava que uma retrospectiva é não esconder coisas. O CAM não pode inventar mais espaço e, portanto, a minha retrospectiva, feita com o que apareceu e que tinha, em princípio, de ir para a parede, tem falta de espaço, o que não é assacável a ninguém. Mas eu não funciono só por reflexos condicionados e pelo que vejo serem as normas de certos museus: não se trata de ver os espaços entre e de os comentar em termos de fica bem ou fica mal. Não partilho o entendimento de toda e qualquer exposição como instalação, nem pretendi aplicar outras regras que não sejam a hipótese de olhar para os quadros um a um; os trabalhos sobre papel, pressupõem uma relação de continuidade de leitura, de páginas e de texto, com o espectador à distância de dois palmos, e não exigem os tais espaços de parede. Vi com algum gozo a possibilidade de a montagem ser interpretada como contestação - contestação inofensiva, a não ser para mim, mas paciência... Pode ser um pouco fora de moda, mas eu continuaria a perguntar: a pintura, o trabalho, vale alguma coisa, serviu para alguma coisa?

Há, desde as primeiras obras, linhas de continuidade que atravessam as diferentes fases. A presença da palavra, por exemplo...
- Como qualquer outra pessoa, estou constantemente a reciclar o que me entra cá por cima e essa reciclagem não pode excluir aquilo que fiz: há coisas que são autocitacionais, depois há outras que penso serem ideossincráticas, que não posso evitar. Suponho que os factores mais contínuos são os de autonegação, auto-ironia, autocontestação, ou seja, de qualquer coisa encontrar sempre o seu outro lado, a sua ironia ou caricatura, mesmo a caricatura da caricatura, que é como quem diz: um lado absolutamente insincero no qual eu sou completamente sincero. Desde a adolescência, não se tratava já, entre amigos, de falar sinceramente, mas de ter consciência que estávamos sempre a citar alguma coisa ou alguém, ou a caricaturar as hipóteses possíveis em relação a cada situação.

O que significa fazer arte sobre a arte, o que é, aliás, próprio da produção artística, pelo menos nos últimos séculos.
- Não diria que a minha arte é sobre a arte: é sobre a minha (arte), inevitavelmente, e muitas vezes sobre generalidades da arte. Estava mesmo a falar sobre a possibilidade da sinceridade, e por tabela da sinceridade em arte, o que desde o princípio tinha a ver com a negação da grandiloquência, da pesporrência ou do «interessanting» artístico, que já era, à partida, uma coisa aviada. Quanto à arte sobre a arte, é evidentemente uma coisa que anda a girar há séculos e suponho que o séc. XX não é o mais educado, nem o mais sofisticado ou o mais complexo.

No seu trabalho existe também a relação com as conjunturas. Começou no ambiente Pop e nos finais de 60 a sua produção figurativa estava já em oposição ao clima conceptual-minimal.
- Põe-se o problema do fazer a seguir, ou do fazer antes, ou do fazer ao mesmo tempo, ou do comentário. Tudo isso é verdade ao mesmo tempo. Há coisas em que qualquer pessoa - e porque não eu? - se antecipa, nem que seja um décimo de segundo; há coisas em que estamos sempre a seguir e há coisas em que julgamos antecipar-nos e estamos apenas a pensar que inventámos a pólvora. Quanto às aguarelas, convém lembrar os "Great Moments in Conceptual Projects" (nº 50), que era sobre papel e sobre o papel do papel. Era óbvio que eu estava ao contrário e era tudo tão ao contrário que parecia um programa. Mas a arte conceptual é uma arte de papel, vive de documentos e memórias de papel, e é também com isso que eu brinco, no papel milimétrico desenhado por mim...

É uma das situações em que o seu trabalho está contra ou à margem...
- Francamente não sei. Toda a gente se sente original e inventor, e muita gente se sente à margem, o que é uma situação curiosa, hoje em dia, já que a instituição, o «stablishment», o circuito, o «art world», etc., coordena as actuações de uma quantidade de pessoas que, ao ouvi-las, gostariam de continuar a fazer-se passar por marginais, quando são de facto a instituição. O estatuto de marginalidade, de contra, de subversão, é hoje muito difícil de analisar, e seria apressado demais defini-lo num sistema de convergência ou conflito de interesses em que a pose de marginal se faz confundir com o conformismo mais radical. A actuação das pessoas em termos de reflexos condicionados está patente em todas as exposições, em termos do que se faz e não se faz, nos preceitos habitualmente aplicados às exposições, etc.

Nos anos 70 atravessou a vaga de rejeição da pintura e em finais de 80, outro aparente fim da pintura, está presente nos seus quadros uma ideia da morte que tanto é a morte física como a morte da pintura, ou da arte.
- Maria vai com as outras, ou não. Há coisas que estão sempre presentes e a que não se foge, uma delas é a morte. Outra é a de que a morte é mais comum como tema a partir de uma certa idade. Outra coisa ainda é que a morte foi diferente nos anos 80: o tema da morte, a morte das pessoas e a de artistas, esteve sempre presente e veio a par com o tema da morte da arte. Chame-lhe folclore, mas é um facto. Se me põem a funcionar apenas como mais um dos que usou, explorou e abusou do tema da morte - da pintura e da arte, da crise da sida, etc. - é evidente... sou capaz de ter caído nesse oportunismo, mas há coisas que nos preocupam mesmo e a que, por muito que a pose seja de cinismo, não conseguimos fugir. Muitos quadros têm o tema da morte, a ideia de terminal, e a ideia do trocadilho (por muito mau gosto...) não foi só minha. Suponho que os clichés à volta da morte e da arte podem também andar à volta do cliché principal, que é saber se existe alguma coisa para além de..., isto é, existe pintura depois da pintura? Para além disso, não posso negar que a depressão, a ausência, o não aparecer, o fugir a aparecer têm a ver com o medo, e o medo com o medo da morte - tudo isso estava muito ligado, nas peças dos anos 80-90. Eu não tenho grandes esperanças no regresso da pintura. Repare que, desde as primeiras coisas, há uma dúvida muitíssimo forte, senão mesmo uma certeza, sobre a incapacidade, a inoperância e o não-valor da pintura e da arte...

As aguarelas, que parecem histórias e acontecimentos da actualidade, já eram um exercício irónico sobre a impossibilidade da arte mudar o mundo.
- Mas não sobre a impossibilidade de eu os absorver e os comentar. Intervir é uma coisa, intervir mudando o mundo é outra. Falar deles, poder exercitar sobre eles aquilo que serão as minhas capacidades, é um assunto completamente diferente: é a possibilidade de que um, ou uma, entre alguns entendidos ou amigos, me possa entender num exercício gratuito de - como se diz nas escolas - complexidade gradualmente aumentada. A ideia talvez seja essa: um exercício individual de educação, de aprendizagem, de estudo e de superação. O que está dito está dito, mas isto, que é a mesma coisa, que parece a mesma coisa, por que é que não é a mesma coisa? Um homem chamado Weininger Otto W., 1880 -1903, que De Chirico citou, disse que o único crime é a repetição. A questão é essa: a repetição e a mudança, o dizer a mesma coisa ou o dizer diferente através daquilo que parece a mesma coisa. Se se puder repetir o mesmo sem ser uma segunda via... possivelmente estamos a dizer outra coisa.

As aguarelas dão passagem a um mais evidente tratamento de questões formais. As mesmas formas elípticas são sucessivamente coisas diferentes: a incerteza de um gesto, as águas do Monet, vórtices e abismos...
- ... ou pias baptismais, ou bandejas, com a cabeça de São João... Aquilo que eu, em última análise ou último destino, quero dizer, francamente não sei. Sei que as aguarelas começaram por ser muito mais obviamente inocentes, mais perto de um jogo improvisativo, de um surrealismo de carregar pela boca, mais ou menos bem dispostas, como quando se faz uma ilustração, para passarem a ser mais ambiciosas e informadas, o que tem a ver com o meu processo de educação e com estar em Londres, mas não concordo que tenham ganho só em proficiência técnica. Primeiro eram mais próximas de um «bluff» sobre arte, com o estudo e a perda de algumas inocências passam de uma forma mais autêntica a ser comentários sobre arte. As formas que se vão aproximando das elipses nas últimas aguarelas e as tais elipses nos primeiros acrílicos dos anos 80 têm a ver com outra coisa, se calhar muito saloia. São uma espécie de demonstração de conhecimentos. Se havia alguma ambição de comentário estético e sociológico sobre o mundo das artes, havia também a necessidade de comprovar o meu conhecimento, daí que usasse de forma muito visível as analogias formais e as alusões, literárias ou não, a coisas de iconografia. A elipse, que tinha a ver com o jogo e o trajecto, com o jogo da glória e o mapa do tesouro, depois com as iconografias altas e baixas, era o uso multiforme do mesmo objecto: o que servia para um halo ou para a luz ao fundo do túnel é também bandeja, sinal da desorientação, turbilhão ou pedrada no charco - literalmente: quantas vezes as minhas primeiras exposições foram comentadas como pedradas no charco -, é símbolo de luz, e é sempre a mesma coisa....

É uma abordagem mais formalista, a exploração de tópicos formais?
- É mostrar a versatilidade da minha interpretação, pretensiosamente: vejam como eu sei todas as conotações desta forma tão simples - e se calhar não sei, ou só sei 0,001 por cento... -, vejam como eu me esforço por saber o máximo, vejam como este tipo que sabe tanto, aparentando que não sabe nada, faz sabatinas sobre elipses, sobre estrelas, caneluras, colunas, fustes, sobre impressionismo, em quadros que transportam imagens de tanques ou barcos blindados armados com canhões sem recuo, sobrepostos ao punhal de um chinês, com o cabo, além, agarrado na mão, mais um tripé com alguma coisa e a estrela internacional...

Mas estes quadros supõem a decifração e o reconhecimento por parte do espectador?
- Suponho que tudo é reconhecível, está lá tudo e está muito à vista. A única coisa que eu peço às pessoas é aquilo que elas só dão se quiserem, tempo: dê-me dois minutos do seu tempo...

As palavras pintadas e títulos são uma ajuda ao observador?
- Às vezes são imediatamente descritivas, às vezes são metafóricas, ou são títulos encontrados na véspera da exposição, a situação varia muitíssimo. Mas são sempre ajudas, mesmo quando são absurdas ou quando são manifestamente a etiqueta para uma figuração que não está lá. Alguém pode procurar o que está e o que não está, com tempo, dois minutos, vá lá, dez minutos... A pintura é para olhar, depois é para falar, antes disso é para escrever. Parece uma máxima, mas foi dito por acaso.

Na última exposição, a cabeça, que era também urna, carlinga, etc., parecia remeter para a ideia ou o projecto do retrato.
- Sempre apareceram cabeças, já nas aguarelas, sobrepostas a uma quantidade de outras coisas, e nos primeiros acrílicos, a cabeça de cão. Qualquer pessoa que faça quadros parte de um capital de conhecimentos, conhece o Géricault, o Alien, o filme, as cabeças pré-colombianas, com aquele «mosaico» de jade. Aqui ("Morto em 1998, 2") há relações com um batráquio, com desenhos do Alfred Kubin, com a decomposição das superfícies do Klint: é uma cabeça e o dispositivo é parecido com o de duas salas antes, é um capitel, mas é também a luz... mas talvez convenha não emprestar à coisa tanto símbolo. A cabeça, elmo, urna, ou armadura de sado-masoquistas, gaiola de torturas, carlinga, são herdeiros das histórias dos capitéis, das colunas, que já eram os cubismos e as cabeças de cão, etc., mas há quem só veja em tudo a Vieira da Silva. Eu faço isto com a educação que tenho, não sou culto nem deixo de ser, faço o que posso, mas custa-me muito deitar fora as poucas coisas que sei.

A cabeça é também o retrato como género da tradição da pintura? Os romanos são pintura de história, o «grande género»?
- O título «Candieiros, Cubismos, Cães e Colunas» exposição de 1982 espelhava já isso: é sobre os géneros, e daí ter metido os cubismos como se fosse um objecto, tanto como um candieiro ou uma coluna, ou tão reconhecível como um cão, sabendo que as imagens de uns e outros se interpenetravam ou, quase sistematicamente, eram a mesma imagem podendo ser interpretada como uma coisa à cubista, que era um cão mas era uma coluna, etc., etc. Portanto, o reconhecimento dos géneros, dos estilos, das histórias, das formas recorrentes está também aqui. Verifico, identifico, registo e confirmo: estes tipos existem. Se a pergunta é se eu algum dia seria capaz de vir a fazer um retrato, suponho que não; hoje em dia, há alguns retratistas admissíveis no largo espectro da arte contemporânea, mas são muito poucos. Os romanos são uma alusão à pintura de história, à história, à treta... é um contar coisas.

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«A pintura não é programável»

FRAGMENTOS de declarações de Eduardo Batarda, à passagem pelas suas obras mais recentes:
«Depois de um certo sucesso de esperanças da exposição de 1992 e de um longo processo de depressão, que tem a ver com o conhecimento de que o meu trabalho não é aprovado, estimado, apreciado - e quando isso acontece é muitas vezes por equívoco, ou equivocamente por gente equívoca -, a parte bem disposta do trabalho para o Metropolitano permitiu-me sair de uma coisa um bocado tumba, que foram os meus pouquíssimos trabalhos de 94-95. Eram já coisas mesmo pretas, invisíveis, carregadas de verniz, sem sinais, em que tudo era tapado, tapado e tapado.

Volto a pintar no fim de 96. Muito prosaicamente, percebi que não tinha nada a perder. Despreocupei-me, incorporei uma certa descontracção, que foi renovada talvez pelos desenhos do Metropolitano. A pintura que eu faço agora também é improvisada, e é improgramável porque eu não consigo programá-la, ou seja, a pintura não é um processo susceptível de grandes planeamentos estratégicos. Por muito que eu quisesse, não seria capaz de programar a pintura para fazer uma exposição cujo processo de lançamento ou cujo êxito pudessem ser previsíveis, e ter logo a segunda e a terceira exposições programadas. Sobretudo, fazendo coincidir isso com um esvaziamento das coisas que eu posso pôr em cada quadro, incluindo o divertimento. Tomara eu, gostava muito, até podia mandar fazer os quadros a assistentes. Mas não percebo o que ganhava com isso.

Não me importo de ter géneros, entre aspas, ainda mais divergentes ou ainda mais desconchavados do que em exposições anteriores. Desde os romanos aos trabalhos autoderrogativos, às radiografias, mapas de batalhas, quadros letristas, etc., mas isto não são só reciclagens de coisas anteriores. É evidente que são e não são. A primeira coisa que eu fiz já reciclava coisas, e também já tinha feito romanos - basta ver o Longinus lá em cima, com o saio de centurião que aparece aqui.

Mas os hábitos invisuais estão fortemente enraizados, e há quem os interprete como regressos irremediáveis, dizendo que nada disto inventa seja o que for. O Doctor B ou o No Name Boys seriam ampliações de coisas anteriores, aquela espécie de estrada de montanha [Talvez Sim (Straight & Narrow)] seria um tema que vem dos anos 80 - se calhar confundem-na com as elipses -, os romanos são as aguarelas dos anos 70 outra vez, o Nothing Really e Début du Siècle são iguais aos dos princípios dos anos 80, com a coluna ao centro. Seriam a mesma coisa antes de eu os pintar com aquele branco translúcido e depois os transformar, por cima do branco translúcido, em coisas monocromáticas. O que eu digo é exactamente isso: muitos dos quadros anteriores tiveram aquele aspecto, mais ou menos acabado, com imagens mais ou menos definidas, e eram depois encobertos, e o preto e as cores escuras iam buscar, reinventar ou descobrir, fazer o mapa, com exclusões ou com novas descobertas, do que estava por baixo. Só o facto de eu não encobrir isto - lá porque eram as coisas que estavam por baixo e eram eventualmente semelhantes a coisas que eu fazia (mas eu fazia-as como parte do trabalho...) -, se agora não cubro de branco e o trabalho não continua a ser depois reencoberto, então é porque isto é diferente... Estes [(Nunca Fui) Art. Pop, 1 e 2] são simples, porque são feitos com as letras do título, são trabalhos letristas...»

Capa do catálogo e design gráfico de Beatriz Gentil (a Batika)

Catálogo: Eduardo Batarda, "Revista" / 
Martim Avilez, "Pintar em Portugal, Anos 60, Eduardo Batarda"; 
A.M. "Algumas hipóteses especulativas"
Antologia de textos de E.B. 159-175; de textos sobre E.B.
E.B. "Aguns textos "Sempre Fixe", 11/1974 a 08Ω÷1975. p. 203 a 242.



terça-feira, 16 de setembro de 2025

Augusto Alves da Silva, "Pasage", 1998, ed. Universidade de Salamanca // Imago 98

 



Pasage

Harrogate Lisboa London Lousã Madrid Marbella Paris Pico Tokyo


76 pag., 32 fotografias cor, sem legendas, 24 x 28.5cm


Design e paginação: AAS


1989 Ediciones Universidad de Salamanca / Centro de Fotografia de la Universidade de Salamanca - Colección Campo de Agramante: [CA] | 25 (Com logotipo do Centro Porrtugês de Fotografia / MC no frontispicio)

12€

+ Folha de informação do editor.


a colecção  Campo de Agramante (69 números)

https://eusal.es/eusal/catalog/series/campoagramante/2


https://sac.usal.es/publicaciones/campo-de-agramante/



É o primeiro (e único) livro de AAS independente de uma exposição ou de uma encomenda documental. É o livro ou photobook mais livre, como um objecto autónomo de que é autor por inteiro, incluindo o design e a paginação.

Pasage é um livro de viagens, ou melhor, de passagens, enumerando-se logo na contra-capa e no frontispício os lugares visitados, mas sem identificar as fotografias com os respectivos lugares, percorridos e fotografados ao longo de quatro anos, informação acima, e eventualmente deslocadas de diferentes trabalhos ou projectos. A secção inicial da retrospectiva de Serralves, designada como "Síntese", procede a algo de semelhante, é um trânsito entre trabalhos / obras, desligados das sequências ou das exposições em que antes se mostraram. Também o livro La Gomera, de 2003, embora fotografado numa única ilha das Canárias, percorrendo um só território limitado, é um jogo de passagens, de trânsitos, onde os nexos, os tópicos temáticos possíveis se descobrem, ou não, no percurso do livro, extenso e sem ordem aparente, mas aí ritmados por quase repetições.

Aqui, o jogo entre a capa, apenas o estore descido, e a contra-capa com as referências discretamente escritas, os lugares, aponta para a prioridade das imagens face ao texto, à legenda, à informação escrita.
Seguimos então entre o que vemos (ou não vemos no estore descido que é a capa) e o que não sabemos por que razão o fotógrafo viu, fotografou e editou, num discurso de imagens sem palavras.

A informação editorial acima copiada, que certamente o artista aceitou, com mais ou menos gosto, sugere que "Pasage é uma proposta que gira em torno da ambiguidade do reconhecimento" - poderia dizer-se a ambiguidade do conhecimento; de facto, "o autor joga sobre (com) a dúvida da identificação", antes de ser reconhecimento. 
 Mas não se trata de propor enigmas ou apelar à identificação, o que seria um puzzle redutor, dos lugares de observação, nem de interpretar o que está apenas "escrito" na sequência das imagens, cada uma independente ou autónoma. Trata-se de declarar e expor uma autoria, um eu que vê, e um eu 'voyeur' (como se verá adiante) que reconheceremos como autor. "O livro, a sequência de imagens, é o lugar (el ámbito) onde se produz a modificação do sentido", ou onde ocorre, antes, a produção do sentido - se quisermos procurar e se encontrarmos um eventual sentido. No entanto, talvez não haja um sentido ou um significado - não é disso que se trata.
Propõe-se "a reflexão sobre o papel da fotografia nas situações que regista", como sugere o editor? A "proposta" do autor seria a de "uma reflexão sobre a nossa capacidade de percepção e sobre o uso da fotografia na época da imagem técnica"? São mais que frases feitas?
Julgo que o que se propõe é a observação do que foi observado, escolhido e publicado pelo autor, como uma prática do ver e uma suspensão de sentidos, no que se reconhece como uma vontade de comunicação. Vejam o que eu vi.

Poderia ser street photography, mas Pasage escapa à classificação, a todas as classificações, não é documentário, viagem nem diário.
É o espaço quase sempre urbano que é visto, a rua e edifícios, a arquitectura, com transeuntes em geral em movimento, imprecisos, como os automóveis que circulam desfocados.
As montras, os manequins, femininos sempre, a passagem de modelos (?), o corpo das mulheres (partes dce corpos), até ao show erótico explícito que por sinal se segue ao estore descido, já visto na capa. Mas também uma cabeleira loura de costas e antes a mulher num bar, vista de lado, sem rosto sob o cabelo negro. Visões fugazes.
Os cartazes, a publicidade, as marcas, palavras em geral incompreensíveis, sinais, as imagens dentro da imagem, e sempre imagens de mulheres.
Também o avião em que se viaja, exterior e interior. A margem do mar, depois de um tubarão mergulhado num mar azul.
O azul predominante e as linhas paralelas horizontais que vêm também já da capa, e marcam edifícios e riscam a estrada.
Não se põe a questão do sentido das imagens e da sequência, mas apenas ver, ou seja, a inquietação e o prazer de ver, partilhados.  






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AAS participou com fotografias de Pasage nos Encontros / Enquentros IMAGO 98, com catálogo editado.




quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Se houver 44 €, o catálogo-livro de MIRIAM CAHN no MAAT

 Em havendo € 44 é de trazer.

Não se cumpre a anunciada "responsabilidade cívica" com um catálogo deste preço, não há responsabilidade social, mecenática e/ou fundacional que se comprove. Mas Miriam Cahn em Lisboa, na Central Tejo / MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, é um acontecimento sem paralelo. (Havia que trazer a Marlene Dumas... e as duas dominam a situação actual da arte contemporânea)







Excessiva, perturbadora, desafiadora, insólita e única, a pintura de Miriam Cahn, artista suíça n. 1949, é uma experiência vital, da pintora e para o visitante. Não se encerra na denúncia da violência sexual sofrida por mulheres, aparece a violência da guerra, em particular na Ucrânia, o envelhecimento, o parto, nunca ou muito raramente representado, a dor e o medo - e também a afirmação do corpo próprio e alheio. E há tanques e armas, fábricas de meios de morte, aviões, um desenho obsessivo, compulsivo, uma pintura rápida, quase sempre numa sessão única de trabalho, directa, consagrada e à margem.
"O que nos olha", o título, até 27 outubro.
(páginas de um catálogo demasiado caro, também excessivo, torrencial, com obras expostas e outras, que se afasta em demasia do itinerário da exposição para ser um jogo livre com as imagens, de pouco texto, com "conceito" e design Ilhas Studio)

VER
UM CATÁLOGO SEM RESPONSABILIDADE. MIRIAM CAHN NO MAAT.


terça-feira, 9 de setembro de 2025

O ESPÓLIO DO AUGUSTO ALVES DA SILVA

Que vai acontecer ao espólio deixado pelo Augusto Alves da Silva, na sua morte prematura e terrivelmente injusta? É uma interrogação que me assalta sempre e que tenho tentado partilhar com amigos comuns e quem o admirava mais de perto e até ao fim, mesmo quando os contactos se interrompiam. 

Soube que deixou um testamento, o qual será aberto no fim de Setembro, início de outubro. Teremos de aguardar, portanto, para sabermos qual o destino do seu corpo de trabalho que guardava em Tremês, Santarém, na casa que desenhara e fizera construir. Que nunca visitei. Sei também que deixou uma irmã, herdeira. 

Jet e Oli, 2010, prova única, 100x150cm, colecção do autor. Galeria Pente 10, 2011

É pouco o que se encontra em colecções de instituições públicas onde expôs, em quase todas elas, apesar do enorme reconhecimento que gozou desde meados dos anos 1990. E conservam-se as suas obras, em muitas casos, nos médios formatos que se substituíam às grandes e sempre perfeitas provas de exposição. O acervo do seu trabalho, fotografias e vídeos, bem como a respectiva documentação são um património que exige ser salvaguardado e conservado nas melhores condições. 

No vídeo Luz o plano é fixo. Apenas nos ramos m­­ais altos e finos se pode detectar algum pequeno movimento. A imagem escurece lentamente, no final de um dia de Outono. AAS. 2016 Appleton


Não é oportuno especular sobre o que o Augusto pode ter deixado determinado no seu testamento, quando o seu estado de saúde se foi rapidamente deteriorando. Mas importará estar alerta e equacionar hipóteses, que mesmo prematuras poderão prever e acompanhar, defender e acautelar o destino  de uma obra reconhecidamente de primeira importância.

BES Photo 2006

2016 Sem título [Tiro], Pequena Galeria








segunda-feira, 8 de setembro de 2025

A AMEAÇA DO DESIGN. UM CATÀLOGO DO MNE

 Deixam os designers à solta e fazem asneira. Ficam a brincar com coisas sérias, aqui numa publicação académica (e que também é acessível para quem tem o MNE como um pólo precioso na cidade)!

Exemplo: as cores a complicar a página, e o texto não justificado. Passa-se do azul a um ocre algo apagado na capa (aí está bem) e dentro em cada página, sem se saber porquê, a fazer feitios em manchas irregulares, variáveis e arbitrárias. São supostas "modernices" que dificultam a leitura.




Mas muitas vezes os designers gráficos não lêem, não precisam nem gostam de ler... interessa-lhes fazer "arte". A distribuição do texto pelas páginas que a máquina cumpre com a eficácia pedida passa então a dar lugar a efeitos acidentados e inúteis, a preciosismos inúteis.
No caso assinaa o Design Lisa H. Moura (Frau im Monde)




Acontece que é uma edição do Museu de Etnologia assegurada pela nova Museus e Monumentos EPE (a mostrar "imaginação" onde devia haver sentido patrimonial) e pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, que tem ou tinha competências conhecidas.






domingo, 7 de setembro de 2025

UM CATÁLOGO SEM RESPONSABILIDADE. MIRIAM CAHN NO MAAT

 “Cabe a uma instituição como o MAAT, consciente do seu papel numa sociedade em crise, enfrentar as dificuldades da apresentação sem filtros deste discurso, dando conta da sua relevância estética e ética.”

Este "discurso” é o de Miriam Cahn, e é assim referido: “corpos (notoriamente femininos) que nos interpelam sem rodeios, confrontando-nos com a violência a que são sujeitos. Nada do que diga respeito à dimensão sexista dessa violência (patriarcal e militar, económica e geopolítica, religiosa e cultural), à dor física e ao sofrimento emocional que daí resultam nos é escondido - tudo é sobre-exposto (....)”
Aliás, as primeiras linhas do prefácio sem título assinado pelos comissários-directores do Museu, João Pinharanda e Sérgio Mah, anunciavam: “É com enorme convicção e sentido de responsabilidade cívica que o MAAT apresenta...”.
Mas o “sentido da responsabilidade cívica” não se cumpre no catálogo editado, pelo contrário. Paguei por ele 44 euros e penso que há por aqui uma hipócrita contradição: a quem serve um volume assim?
São 352 páginas, um excesso, um luxo, 3 cm de lombada, por € 44, e só 600 exemplares: lá se vai a "responsabilidade cívica". Ficamos com a "elite", para ofertas e representação da empresa (quantos exemplkares seguem para Pequim?). Entre nós muitos catálogos são objectos sem destinatário, sobre-dimensionados, invisíveis, invendáveis-incompráveis.


Há 2 páginas de breves textos da artista, paginados com muita largueza;
4,5 de escrita literária do António Guerreiro;
8 que seriam 4 com um corpo não desmesurado, como uma entrevista em resultado de trocas de emails com os comissários;
4 de referida apresentação a abrir. Sempre em corpos generosos e duplicados pelas traduções também folgadas.
A fechar existe um oportuno texto crítico e biográfico sobre a artista com base num diálogo estabelecido em 2013, que continua actual.
É escasso, e são excessivas as páginas de ilustrações que em inúmeros casos não são de obras expostas, não sendo obras de necessária referência. Certamente livres de direitos de autor, foram ao acervo de imagens e foi um fartar vilanagem - percebe-se o gozo das designers ao percorrerem a crueza, a violência e também o humor, negro ou não, das imagens.
Atenção, não é só a violência sexista que aqui comparece: é também a afronta física e nua do corpo próprio exibido, do envelhecimento, do parto. Não há só vítimas, há desafios. Há denúncias e medos nas séries de armas e carros de combates e nas sugestões de bombas atómicas.






Perdeu-se no itinerário do catálogo o percurso da montagem, sem se ter encontrado outra sequência: por exemplo, os corpos frontais que confrontam brutalmente o espectador à chegada diluem-se lá para o fim. Desarticularam-se as galerias, onde as pinturas se mostram em instalações ou em séries temáticas ou em contrastes incisivos, apesar de se intercalarem "vistas da exposição" entre escolhas arbitrárias, como um puzzle que cresceu sem limites e sem critério. Foto acima e foto abaixo sem razão para tanto, e ampliações aleatórias em dupla página... Na lista de obras final perderam-se as traduções dos títulos que se encontram ao longo do "álbum". Comparando com o catálogo do Palais de Tokyo de 2022 vê-se o luxo dispensável dos grandes formatos das obras/ilustrações em página inteira e dos pormenores ampliados.
Os gráficos são os grandes interessados neste tipo de edições com vocação para concursos de design: neste caso "o conceito e o design gráfico" é das Ilhas Studio, de quem conheço as qualidades e os excessos .

A exposição da Miriam Cahn é das mais importantes que por cá se tem podido ver.