sábado, 18 de outubro de 2025

CCB 2025: Ainda a pintura-ainda, sempre apesar da "iconoclastia da vanguarda"

A pintura não se interrompeu nem escondeu, na primeira metade do século XX, e por isso não regressou, o “ainda” é mais um SEMPRE, sempre com alguma boa pintura e muita outra não, que também tem direito a existir. Nas décadas de 1920 e 30 houve muita pintura, de mestres ou pioneiros consagrados (Bonnard, Derain, Picasso, Matisse vivos...) e de novos artistas que começavam. O discurso institucional, a academia e a crítica que se diz de vanguarda, e tece sempre novas teorias apontadas ao fim da arte, à “anti-arte” e/ou à indiferenciação geral, é que mudou o discurso escolar e “readmitiu” a pintura como tradição e inovação, no Pos-Guerra e depois nos anos 1980, e hoje em novas reviravoltas pragmáticas em tempo de pluralismos e de novas alianças sem regras entre museus e grande mercado. A ideia de “AINDA A PINTURA” é errada. Sem fazer nenhuma defesa fetichista da pintura ( que existe em excesso, boa e má, o que importa é distinguir), é afinal o discurso crítico que AINDA não fez a revisão necessária. Há que passar a notas de roda-pé muito que se pôs nas velhas montras "alternativas", e redescobrir artistas postos à margem da “história” escolar da sucessão de novidades e estilos colectivos. Por exemplo Paula Modersohn-Becker , Alice Neel, Rober Colescott. Não por acaso, duas mulheres e um afro-americano. A revisão está em curso (e já cá chegou com Miriam Cahn na Central Tejo até dia 27).

A agência de comunicação que escreve os textos de parede do CCB (é uma hipótese benevolente...) devia ser reexaminada. Isto é muito mau, provado pelas fotos apropriadas do percurso expositivo.

Muita coisa mudou no Pós-Guerra (ver por exemplo, "Postwar", Enwezor, Munique 1916), entre projectos de reconstrução, o início da Guerra Fria, os medos nucleares e as expectativas de progresso - e com importantes trocas intercontinentais: surrealista para lá, abstracções ditas expressionistas para cá. A exposição dita permanente "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo" marca esse período com dois textos de parede que confusamente se intitulam AINDA A PINTURA I e II, como se o "ainda" tivesse algum sentido, sugerindo um lamento, crítico / críptico.

Ou seja, segundo o mainstream escolar, as vanguardas (anos 10/20) tinham condenado a pintura. Mas não a extinguiram, e ela regressava sempre, inconvenientemente plural e indisciplinada, logo no 1º Pós-Guerra como "regresso à ordem", que é tido por reaccionário, depois como liberdade decorativa ou libertária, nos anos 30 surrealistas... muito pintavam os surrealistas com automatismos e inconscientes dirigidos, como aqui se comprova. E continuava durante e depois da 2ª Guerra, alheia ou cúmpice das imposições das ditaduras nazi e estalinista, e realismos autoritários equivalentes, mas depois voltando à superfície diversa, resistente (os artistas da Resistência), e em muitos casos intérprete e agente da reconstrução europeia: o realismo social norte americano dos anos 30/50, o neo-realismo no México que invadira os EUA, logo o neo-realismo em Portugal (há um pioneirismo geracional em 1945, fruto de um isolamento informado), em França depois, antes de chegar o realismo socialista de exigência soviética.

De facto reafirmam-se realismos que marcaram os anos 30 europeus, impulsionados pela Revolução Mexicana e a América do New Deal, de um realismo social e regionalista anti-fascista: foi consagrado como o primeiro estilo original do continente americano, não europeu. Sob a influência dos surrealistas expatriados, o expressionismo abstracto tornava-se o estilo dominante em Nova York, pronto para exportação como padrão do mundo livre, então como poderosa novidade, ao mesmo tempo individualista e linguagem colectiva que durou duas gerações. É esse um panorama plural e também conflitual, em que se reencontram os velhos mestres europeus e surgem novas geraçãoes de pintores.




Linha a linha, os escritos de parede são um chorrilho de disparates, de confusões de tempos, ora focando o 2º Pós-Guerra ora falando de "consciência finissecular" (XIX ou XX?). A pintura podia ter sido antes desvalorizada por um discurso vanguardista muito minoritariamente confidencial (desde os anos 1910?), mas não se apagara nunca (basta ver ali a imensa montra surrealista) - o discurso crítico académico é que vai dando cambalhotas oportunistas, entre revoluções e extinções, propondo sempre novas defenitivas rupturas apontadas ao anunciado fim da arte, hegeliano e/ou proletário, ou só boémio.
E note-se que entre os "ismos" ali enumerados sem tempo certo ("entre o gestualismo e informalismo, a abstracção lírica e geométrica, o expressionismo abstracto ou brutalista, ou ainda uma arte minimalista, surrealista, óptica, ou pop" - que amálgama de estilos colectivos alargados no tempo... - em "Ainda..." Parte II) faltam em especial os realismos que se voltavam a impor e se renovavam nesse pós-guerra, como se mostra ali com Guttuso, Gruber e Helion, Bacon e outros.

Não, no rescaldo da 2ª Guerra Mundial "as profundas transformações políticas e sociais então vividas" não "questionaram a antiga supremacia hierárquica da pintura a cavalete" (sic!) e a necessidade de um regresso à ordem" (este um assunto antigo que englobava  a nova objectividade esquerdista). E é prematuro invocar "o espectro das novas tecnologias da imagem que haviam invadido a vida quotidiana", face" à pluralidade de outras linguagens estéticas como a escultura, o cinema, a televisão ou a música": a França virou-se para a reabertura dos museus, o retorno dos mestres e a recuperação das antigas tradições artísticas, o vitral, a tapeçaria, etc; a Inglaterra  estava a reconstruir-se e esperou por 1950 para um primeiro grande festival; Portugal e a Geração de 45 foram mais rápidos e originais...



ROLAND PENROSE, ANOITECER, 1940


ADOLPH GOTTLIEB, HOMEM E FLECHA, 1950

ROTHKO, SEM TÍTULO (ARTISTA E MODELO ) 1937-38

POLLOCK, CABEÇA, 1938-41

POLLOCK 1938-39 E BACON : ÉDIPO E A ESFINGE, A PARTIR DE INGRES, 1983

LEE KRASNER, VISITAÇÃO 1957-1973


Sim, "a pintura conheceu um novo fôlego na segunda metade do século XX", após o fim da Guerra, e poupe-se o disparate "apesar dos abalos que as vanguardas lhe infligiram antes e continuariam a infligir" ... (sempre houve "abalos" e os maiores foram os da guerra e dos fascismos), mas sempre que se fala de pintura aparece logo o fantasma insidioso e "gauchiste" do mercado: 

"estimulada por um mercado em crescimento".  Há tambémuma subtil referência-reverência a Clement Greenberg, para os íntimos, esta certa: "estimulada pelas teorias modernistas dos críticos que exaltavam a exploração do medium e a arte abstracta". 

Porque o que lhes importa, aos autores desta escrita,  é o "incorporar a experimentação e a iconoclastia da vanguarda". Mas a experimentação avalia-se pelos resultados e a iconoclastia provém da religião...


Acrescenta-se: "Em muitos artistas a pintura tornou-se um comentário à sua própria história, interrogando passado e presente, com a consciência finissecular crescente do seu papel na construção da modernidade ocidental." Percebe-se? Finissecular a meio do séc XX? Sim a pintura como comentário da pintura e "aconsciência finissecular crescente" (há-de vir o fim prometido, radioso e nulo).


E uma lamúria final e autofágica: "Ainda a pintura, apesar de tudo; ou, apesar de tudo, ainda a pintura, consolidando-se enquanto referência histórica quando parecia ter estado em vias de extinção." Isto não se acredita!


Não se extinguiu ainda. Acabem com ela, é para isso que ocupam os museus.


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E lá em baixo (Piso zero) continua-se pelas águas paradas dos tempos escolares do Pedro Lapa e do Delfim Sardo "OBJETO, CORPO E ESPAÇO. A REVISÃO DOS GÉNEROS ARTÍSTICOS A PARTIR DA DÉCADA DE 1960": o mínimo, a essência, o conceito, os estilos colectivos são a regra dominadora da arrumação por capítulos, como se não houvesse o presente.
"A partir da década de 1960... os artistas repensam o objeto artístico, os seus processos criativos e a relação com o espectador. A escultura e a pintura, géneros RECONHECÍVEIS (?) no arranque desse <qual?> século, afastam-se progressivamente das suas formas tradicionais e reconfiguram os seus significados, em direto diálogo com o espaço arquitetónico, mas também com a vida e o quotidiano. Os artistas abandonam a pintura ou reduzem-na ao mínimo (em termos cromáticos e formais, uma depuração dos seus elementos essenciais), ou, bem pelo contrário, vinculam-se aos espaços urbanos e à natureza, centrando-se no corpo, individual ou coletivo e usando a fotografia como meio de fixar a vida e a ação, o movimento e a relação com o mundo em convulsão: utopias, guerras, emancipação social, globalização."

Vão sendo cada vez mais notas de rodapé e alíneas da sebenta escolar.



Pode ser um gráfico de mapa, cópia heliográfica, andar e a texto que diz "1. Pintura Sistémica Systemic Painting 2. Minimalismo Minimalism 4. Conceptualismos Conceptualisms 5. Land Art 3. 8 8 Pós-minimalismo Post-minimalism Ee 5 7 6. Arte Povera 8. Realismo traumático 2 Traumatic realism 7. Corpus Situs 9. Discursividades pós-coloniais Postcolonial discourses"




 

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

CCB 2025, regresso a "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo". Guttuso


O Museu Berardo/MAC-CCB está a envelhecer rapidamente. As aquisições pararam (não sei se o comendador tem comprado para o seu futuro museu - em Azeitão?, espero que sim.) E as obras compradas pelo 1º director do Museu, Jean-François Chougnet, nos primeiros anos, pagas a meia pelo estado e o comendador, foram recompradas poir este ao preço antigo. 

Não são as exposições temporárias de arte contemporânea (AC) que o animam, depois das inaugurações friendly. O MAC do nome é mais Arte Moderna, e começar uma montagem das galerias pelos inícios do século XX (“É preciso ser cubista?” e ”Construções”) abre um percurso pouco estimulante, fatigante, escolar. Abundam os papéis geométricos e falta o principal do séc XX: os Nabis Bonnard, Vuillard e Vallotton; os Fauves, Matisse etc; os expressionistas alemães que eram já muito mais caros quando Capelo e Berardo começaram a comprar. A coisa fica desfalcada e árida, em favor de uma abordagem académica pelos "estilos colectivos" que queriam ser a vanguarda e combater a “pintura burguesa” (Francisco Capelo quis documentar numa enciclopédia a suposta evolução escola a escola e isso continua a ver-se na montagem de baixo, antes e depois do “Circa’68”, do Pobre e Conceptual e Minimalista à maneira do Pedro Lapa e do Delfim Sardo).

Como resolver o impasse e o envelhecimento desse itinerário escolar pela Arte Moderna e agora já não Contemporânea? A hipótese indicada abaixo é a de começar pelo meio, pela animação optimista do 2º Pos-Guerra e criar dois percursos, um vindo até ao presente e outro da frente para trás de interesse, documental. 

Abrir um circuito expositivo com 60-peças-60 (refotografias, antigas fotografias copiadas) que não são para ver, porque o que importa é só o título e o conceito explicado na tabela junta, resulta num convite à indiferença e ao cansaço. É o enunciado seco de uma estratégia que já não é dos dias de hoje. A arte não tem de ser chata, autista, virada para dentro ou vazia.

Note-se que aquilo só podia ser uma aquisição do Estado (Coleção de Arte Contemporânea do Estado) e Coleção Ellipse: foi a meias com o Rendeiro? foi compra conjunta? - a promiscuidade era conhecida, via Pedro Lapa (Chiado) e Alexandre Melo (Gabinete Sócrates). Faz muita falta indicar a data das aquisições e até a galeria que vendeu.



A exposição tem um início "difícil" (árido) com as secções É PRECISO SER CUBISTA? (não, os expressionistas iam por outros lados, os italianos também, mas a colecção falha aí, os expressionistas dos anos 1900/20 eram muito mais caros que os papéis geométricos) e CONSTRUÇÕES ("a ênfase experimental") - apesar do sucesso da sala Lourdes Castro com a mala de Duchamp (mas não é "a vertigem da reprodução técnica" que guiava a artista, era o desenho, a observação e o desenho do contorno).
Continua o percurso com ABSTRAÇÕES DISSONANTES e o foco nas "propostas radicais de abstracção" e nas teorias. O SURREALISMO é um extenso cortejo de obras maiores e menores, ilustrativas das receitas do estilio (a col. Berardo conta com muitas obras menores que não são de rejeitar), no entanto mantém-se a ideia aqui questionável de "vanguarda" e sublinha-se o momento "fortemente politizado à esquerda e "ao serviço da revolução" de Breton, o que não se comprova... A Academia curaturial quer ser revolucionária - é um tique falsamente adolescente.
De facto a exposição "Uma deriva atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo" devia começar na área levianamente chamada AINDA A PINTURA (o 2º Pós-Guerra, que nos é ainda próximo, na sua diversidade figurativa e abstraccionista e com trânsitos intercontinentais, a tal "deriva" do título) e deveria ir continuando até ao presente com NOVOS REALISMO (? sic) E POP, e abrindo-se às boas figurações da colecção que aqui não se mostram por não caberem no restrito propósito teórico das responsáveis -, incluindo o espaço REVOLUÇÕES para encontrar temas actuais da "politização da arte".
Começando então nos anos 40/50, anos fortes de reconstrução e inquietação "Postwar" (Enwezor, Munique 2016), o percurso avançaria com interesse até ao presente, enquanto outra direcção contrária voltaria para trás até ao início do século XX, por origens e revivalismos, numa perspectiva hoje escolar - regressiva-progressista. Nesse retrocesso cronológico e temático caberiam GEOMETRIA ÓPTICA e VOLTAR AO ZERO, mais as suas supostas vanguardas e purismos em que o zero é insignificância e formalismo. E também os PAPEIS cuja escolha procura favorecer a "desmaterialização" e a experimentação conceptual: mais do mesmo, regressos, extermínios.
É uma exposição que volta a mostrar a riqueza da colecção Berardo, mas muito marcada por concepções académicas que se querem encostadas a serôdios futuros.



Renato Guttuso (1912-1987): Studio e Paesaggio / Atelier e Paisagem, 1960, 200x320cm. Col. Berardo. Uma das mais poderosas obras do Museu Berardo/CCB.

É também auto-retrato (em cima à esquerda) e natureza-morta, interior e exterior, pintura e colagem, reflexão sobre a pintura e o trabalho do pintor.

Guttuso foi um artista comunista independente, amigo de Picasso e Pignon, num trio avesso à disciplina do realismo socialista, 

influente entre os realistas britânicos dos anos 1950 (Peter Berger; kitchen-sink-painters ; ver the Estorick Collection of Modern Italian Art|:  renato-guttuso-exhibition-at-the-estorick-collection-london/ , 2015. 


Com um museu na terra natal Bagheria ao lado de Palermo  que fomos visitar em 2003: museoguttuso.com/museo/ : "Dal Fronte Nuovo all'Autobiogrfia 1946/1966"



GUTTUSO E GERMAINE RICHIER (LOUVA-A-DEUS, GRANDE 1946-51)


FRANCIS GRUBER, NU NUMA CADEIRA VERDE, 1944


JEAN HÉLION, OS PÃES, 1951



Mário Dionísio, O Músico, 1948 (antiga Col. Júlio Pomar / Maeria Berta Gomes >... Col. Berardo) 

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At the Estorick exhibition, the room ‘Corrente and the Art of the War Years’ shows the period of Guttuso involved in the group Corrente. The members came together around a magazine with the same name founded in Milan in 1938. The Corrente group referred to the Scapigliati, which literally means ‘dishevelled’ or ‘unkempt’ – an Italian bohemian movement born in the 1860s. Corrente opposed to the official culture of the regime, refusing the cultural isolationism of the Fascism. The importance of Corrente is to have laid the foundation of the Realism movement, which was to dominate the Italian cultural panorama in the post war.

In the 1940 Guttuso became a member of the clandestine PCI (Communist Italian Party). Many of his works were

Heroine (Garibaldean Heroine / Assassinated Partisan), 1954, Co. Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

Heroine (Garibaldean Heroine / Assassinated Partisan), 1954, Co. Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

commercialised in the clandestine market, because the thematic were anti – Nazis and anti- fascist, but also anti – clericalist. However, he continued to participate and winning prizes in exhibitions supported by the government. During the Second World War years, next to members of the Communist Party, Guttuso actively participated in the Resistance.

The room ‘The Post-war period’ shows that in the late 1940s and the following years, Guttuso was one of the most significant artists, who also shaped a style ruling Italian culture. Determinedly popular, his imagery continued to chronicle Italy’s frequently turbulent political life and the changing of its society for over 40 years. The Realism found favour in the PCI (Italian Communist Party).

In 1947 Guttuso joined the Fronte Nuovo delle Arti a movement polemic against the formalist tendencies of many abstract artists, from which he split later.

Strongly confident about his beliefs that art should be ‘useful’, Guttuso continued to use his vigorous and accessible style to socio-political themes over the course of his career.

During his life, Guttuso loyally remained a member of the PCI, the Italian Communist Party, for which he even realised the emblem used until the dissolution of the party in 1991. He was also elected twice (1976 and 1979) member of the Parliament in the Senato chamber.

In the Post-war period, Guttuso was internationally recognised as artist and politician. In 1950, he received the Peace Prize by the World Peace Council. A number of monographic exhibitions were organised outside of Italy, including London (1950 and 1955), New York (1958), Paris (1971) and Moscow (1961).

Neighbourhood Rally, 1975, Courtesy Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

Neighbourhood Rally, 1975, Courtesy Galleria d’Arte Maggiore, Bologna © Estorick Collection, London

At the Estorick exhibition, a special area is dedicated to ‘Guttuso in Britain’. In the years following the war, he was very well considered in the British art world. He found a strong support in the Marxist critic, John Berger, and friendship with Roland Penrose and Kenneth Clark, and of course Eric Estorick. A number of letters and documents on display at ‘Renato Guttuso: Painter of Modern Life’ show these relationships he had.

The third room upstairs, ‘A friendship across Europe: Renato Guttuso and Peter de Francia’ is focused on the relationship between the two artists, who met in Italy during the post war. The British artist De Francia (1921 – 2012) was born and brought up in France, and lived in Italy for a while. He was painter, teacher and writer. He exhibited widely in Milan, London, New York and Delhi. He was teaching in the Royal College of Art. His works are currently on display at the Tate, V&A Museum, MoMA, and the British Museum. Guttuso wrote and introduction to De Francia exhibition in New York (1962).

Guttuso died in Rome, on 18th January 1987. Before his death, it seems he was reconnecting to the Roman Catholic religion. He now rests in his hometown Bagheria, at the Villa Cattolica, where a museum dedicated to him and his work has been established.


quarta-feira, 15 de outubro de 2025

1997 João Cutileiro: "Um lugar na cidade", uma fonte, um anti-monumento, o 25 de Abril no Parque Eduardo VII

"Um lugar na cidade"  


3-V-1997 Expresso Cartaz 


JOÃO CUTILEIRO prepava-se há perto de 40 anos para fazer uma estátua equestre — uma pequena maquete em bronze, de 1962, pensada precisamente para aquele lugar foi mostrada em Lagos, quando, a propósito dos 20 anos do D. Sebastião (1973-1993), se puderam rever os seus projectos de esculturas para espaços públicos. Agora, porém, optou por destruir o plinto que existia no cimo do Parque Eduardo VII, para onde se chegaram a prever, no regime anterior, as figuras de Nuno Álvares Pereira ou D. João I. O cavaleiro que alguém terá ainda de encomendar ao escultor irá para outro lado. 

Ali, no exacto enfiamento do Marquês de Pombal e do obelisco do Rossio, sobre o panorama da cidade e do Tejo, que é também um lugar fisicamente marcado pela monumentalidade do regime anterior (nas colunas de directa referência nazi <quando muito fascista, mas é mais romana e imperial> e, através desta, de invocação de uma mitificada ordem clássica — recorde-se, por exemplo, o projecto de Albert Speer para as portas de Salzburgo, de 37, incluindo um plinto-altar vazio), Cutileiro instalou uma fonte que é, ao mesmo tempo, monumento evocativo e anti-monumento. Não se tratava de substituir os emblemas de um regime pelos de outro, mudando apenas de sinal um acto de celebração do poder (questão ideológica e ético-artística essencial), mas de evocar o 25 de Abril no seu sentido mais decisivo de deposição de uma ditadura e de início de um projecto de democracia que será «o que nós quisermos», como diz o escultor. 

Como diz Cutileiro, o 25 de Abril, data histórica, «é anti-monumental por definição», no acto do derrubar um regime imóvel e autoritário (como um monumento) e de recolocar um destino colectivo nas mãos de um povo. E a sua intervenção de escultor também não quis ser um monumento no sentido tradicional de consagração de um momento congelado no tempo e de sacralização da distância entre os símbolos de um poder, divino ou heróico, e o espaço comum da cidade. A sua «Evocação do 25 de Abril», título presente na necessária lápide inaugural, é uma fonte, tipologia construtiva em que, neste caso, se põe em evidência quer o significado da permanente agitação da água em movimento quer a ideia de que «a fonte é a origem» (J.C.).




A abordagem dos emblemas formais e dos seus sentidos — a fonte e o cravo, o derrubar de uma forma prévia autoritária, a ideia de inacabamento de um processo sempre em construção, a recusa de uma «mensagem» escrita (mas estão lá as marcas de trabalho trazidas da pedreira), a instalibilidade da água, a forma fálica presente em qualquer obelisco ou coluna, mas que aqui remete para a configuração dos megalitos alentejanos — seria inesgotável e prolonga-se com absoluta coerência no equacionar da problemática da escala. A opção do escultor foi a de contrapor uma dimensão humana ao gigantismo autoritário das colunas pré-existentes, transformando um lugar votado à representação do poder (com maiúscula, tal de usa em algumas concepções da arte) num espaço de uso público, de lazer e de prazer: os degraus que limitam um dos lados do lago são um convite directo a mergulhar os pés na frescura da água corrente; o arranjo do espaço envolvente é propício à permanência, inventando uma praça num lugar previlegiado da cidade mais ainda inóspito. Às memória romanas que as colunas transportam, com sentido imperial, contrapõe-se a lembrança das fontes de Roma, despidas das suas mitologias de Neptunos e criaturas marinhas, que também não teriam lugar na evocação do 25 de Abril.

A intervenção de João Cutileiro, com o sentido político da sua reflexão sobre a data e sobre ideia de monumento, com a ironia inerente a uma modernidade que já não quer ser construtora de mitos (ao contrário dos modernismos vanguardistas), exercida na inteligência das formas e também dos seus sentidos, está, como sempre, à beira do escândalo. Como o seu D. Sebastião de Lagos, estátua de menino e equívoco herói nacional, a fonte-evocação do 25 de Abril é um monumento controverso. O que significa, se for necessário dizê-lo, que o escultor não se limita a gerir a sua própria consagração, que a sua obra continua a ser inventiva e problemática.

Vale a pena, por isso, considerar uma primeira explicitação pública das resistências com que a obra de Cutileiro se enfrenta, já expressas num texto de Rúben de Carvalho («Capital, 29 de Abril) — mas sem de modo algum pôr em dúvida o seu «direito a dar opinião», por falta de uma qualquer especialização. O que importa é ver como é decisiva a questão da escala na procura de uma monumentalidade que, sob a aparência de um problema de dimensões, tem a ver com significados, concepções de poder e autoridade, com ideologias. 

«O problema do monumento ao 25 de Abril é que não tem o tamanho, a envergadura, a proporção, o significado do sítio onde está», diz R.C. Duas afirmações anteriores valem como sintomas de uma recusa mais profunda: por um lado, considera que as duas colunas (talvez por efeito de uma contradição entre a encomenda fascista e a autoria democrática de Keil do Amaral, a qual seria essencialmente decisiva, embora sem tradução formal) «têm equilíbrio, proporção, dignidade, coerência, ao nosso lado acompanham na sua altura os quilómetros de vista...». Esses atributos são as de uma ordem que é a da autoridade e não a da vida, são pretensas marcas de um poder que se afirma na arrogância da altura. Noutro passo, atribui ao D. Sebastião, apesar da sua pequena escala, «o fascínio e a grandeza de um monumento» — é a recusa a entender a mesma condição de anti-monumento com que Cutileiro soube sublinhar o sentido mais radical da sua última obra.     


Nota: foi uma batalha acesa, com vários participantes aguerridos, moralistas uns (o pirilau), conservadores outros (a escala, o Rúben...)

 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

1951-52 Júlio Pomar Gravuras: a campanha pela paz e as cenas de trabalho, 1954

Júlio Pomar e a politização da arte" (parte III)

À gravura (seis linogravuras e litografias de 1951) cabe um papel essencial no segundo período militante de Júlio Pomar, ao tempo da campanha do PCP contra a NATO, em especial contra a reunião do Conselho da Europa em Lisboa, no IST, em 1951, a seguir à adesão de Portugal à OTAN/NATO em 49, e em defesa da paz no espaço da propaganda política alinhada com Moscovo, no contexto da Guerra Fria.

Convém vê-las em conjunto (o que também não ocorre na actual exposição, aliás, com os dois quadros representativos desse tempo) para ter a dimensão do que foi o envolvimento político do artista, comprovado pelas edições de autor com maiores formatos e tiragens, que passam dos 30 ou 45 exemplares confidenciais para os 150 ou 200 exemplares com distribuição partidária. Esta era assegurada no Porto pela cooperativa SEN, Sociedade Editora Norte (1942-1959). A cooperativa Gravura ainda estava longe (1956). 

A bomba, 1951


Mulheres fugindo ou A Explosão 1951 (nº 9 - Nota 1), (tb conhecida como A Bomba Atómica)
As Mães 1951 (nº 8.)
Linogravuras. 34,4x44cm / papel: 39,7x51. Edições do autor. Tiragem 150 exemplares. Impressas na Tipografia Garcia e Carvalho, Lisboa
Ambas são referidas nos catálogos da II Bienal de São Paulo, representação portuguesa 1953, e certamente expostas.


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e a pomba da paz, 1951 (litografias não expostas)
 


Menina e Pombas 2º estado (nº 11), 54,5x38,5 / 65x48,5cm 200 ex.#
Duas meninas com Pomba (nº 12) 32,5x23,5cm, tiragem desconhecida
A Refeição do Menino (nº 13), l50x65cm, Atelier Amândio Silva, Porto, 200 ex. #
(# incluidas nos catálogos, geral e nacional, da representação enviada à II Bienal de São Paulo, 1953)

Menina e Pombas 1º estado (nº 10), 54,5x38,5 / 65x48,5. 45 ex. Exp. SNBA 1951


recorte do Boletim SEN nº 4 Novembro 1951, com várias incorrecções


"As novas urgências da intervenção partidária afirmaram-se com clareza numa série de gravuras dedicadas ao tema da Paz, que tiveram grande difusão e marcaram presença nas casas de todos os intelectuais de feição comunista, distribuídas pela SEN (Sociedade Editora Norte, Porto), pouco depois encerrada. Às linogravuras As Mães e Mulheres Fugindo, que também se chamou A Explosão e foi conhecida como A Bomba Atómica, seguem-se no mesmo ano de 1951 as litografias em que figura a pomba proposta no cartaz de Picasso para o Primeiro Congresso Mundial dos Partidários da Paz de Paris, em 1949, como emblema da causa, com referência à filha Paloma: três versões de meninas com pombas e <uma variação> do Almoço do Trolha na versão A Refeição do Menino (ou com título Família). As quatro gravuras foram enviadas à alargada mostra de São Paulo <II Bienal, participação do SNI>." in A. Pomar, ed. Guerra e paz / Atelier-Museu 2023, p. 139


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1952-1954

São já obras de diferentes características as gravuras seguintes. A 1ª está associada ao quadro com o mesmo título de 1951, as segundas integram o Ciclo "Arroz", a par de várias pinturas e desenhos. É já a observação directa (ou fotográfica) das figuras e do trabalho do povo, que continuará a caracterizar a produção dos seguintes anos 1950 e 60, mesmo depois de deixar o neo-realismo.


Nazaré 1952 e Vila Franca (Arroz) 1954
Arroz, nºs 21 e 22, também 23


Nota 1. Os números indicados reportam-se ao volume Julio Pomar, Obra Gráfica, Mariana Pinto dos Santos coord e Alexandre Pomar catalogação, ed. Caleidoscópio 2015


Fotografias do acervo documental



As fotos da Nazaré são de autor desconhecido
As das lezírias igualmente, ou de Cipriano Dourado. Ver Os Ciclos do Arroz, ed. Museu do Neo-realismo, 2016


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ADENDA


Boletim Nº 4
Segundo uma anotação manuscrita teria sido já antes sorteado entre os visitantes da 
Exposição da Primavera de 1946, no Porto... 

A SEN tinha já editado «Refugio Perdido» e «Engrenagem» - obras inéditas de Soeiro Pereira Gomes (1909 - 1949, na clandestinidade desde 1945, autor de « Esteiros», 1941), e distribuia então as edições em fascículos de "Mulheres do meu País" de Maria Lamas, Ed. Actualis, "História da Cultura em Portugal" de António José Saraiva, Jornal do Foro, e "História da Arte" de Elie Faure, Estúdios Cor, que ficaram na biblioteca familiar.

Para as edições da SEN JP colaborou com uma ilustração, desenho de 1947, Caxias, para o conto «Week End» de José Cardoso Pires, no nº 1 de "Meridianos de Arte e Cultura" (pág. 139).