sábado, 8 de maio de 1999

1999 Encontros de Braga: Louis Faurer, Claudia Andujar, John Max, Virxilio Vieitez. Martin Parr. "Retrato do Século"

 "Encontros e descobertas" 

Expresso 08-05-99

ENCONTROS DA IMAGEM

13ºs Encontros da Imagem, Vários locais, Braga, Guimarães e Famalicão (Até dia 30)


 TEM havido, em Braga, anos melhores e anos piores, mas esta 13ª edição dos Encontros da Imagem será seguramente a mais forte de sempre. Quatro nomes bastam – os de Louis Faurer, Claudia Andujar, John Max, Virxilio Vieitez – para assegurar a importância do programa: os dois primeiros são grandes fotógrafos pouco conhecidos ou pouco vistos, John Max é um canadiano que esteve esquecido, Vieitez é um galego recentemente descoberto.


 Várias outras exposições incluídas numa programação extensa e diversificada (descentralizada por Guimarães e Famalicão) merecem igualmente ser destacadas: a participação de Martin Parr entre quatro fotógrafos convidados a trabalhar em Braga; a exposição «O Estado do Tempo», original revisão do séc. XX português até ao 25 de Abril, através de uma pesquisa por vários arquivos fotojornalísticos; a apresentação do madrileno Alberto García-Alix no recém-inaugurado Museu da Imagem; a retrospectiva de Gabor Szilasi, outro canadiano. Entretanto, sem que com estes nomes se esgotem os motivos de interesse, fica claro por esta selecção que os Encontros não conseguiram ainda ser uma plataforma de divulgação e de afirmação da fotografia portuguesa: a Braga acorrem os responsáveis por numerosos festivais internacionais (de onde vêm, em geral, as mostras apresentadas), mas não há um esforço sério para propor fotógrafos nacionais para a troca.


 


Claudia Andujar, Índio Yanomami, 1977 (no Mosteiro de Tibães)


 

 Louis Faurer (mostrado na Casa dos Crivos) é um norte-americano nascido em 1916, de pais polacos, que os Encontros de Coimbra já tinham incluído brevemente, em 95, numa mostra colectiva sobre os «fotógrafos de rua» dos anos 40 e 50 em Nova Iorque. Algumas dezenas de reimpressões recentes, vindas da Galeria Howard Greenberg, mostram-no como um dos maiores desses fotógrafos, à altura de Robert Frank, com quem se encontrou logo em 1947, nos estúdios do «Harper's Bazar» dirigidos por Alexei Bogdanovitch, e de quem se tornou amigo e foi colega de laboratório.


 A sua obra iniciara-se em 1937, nas ruas de Filadélfia, desde logo sensível às figuras anónimas e desencantados que povoam as franjas da sociedade de consumo que então despontava, mas tornou-se mais rara a partir de 52, talvez por dificuldade de a conciliar com o trabalho profissional na área da moda, ou porque o clima político se tornara hostil aos olhares mais cépticos sobre os caminhos da «american way of life» (recorde-se que The Americans foi primeiro editado na Europa). Presente em «In and Out of Focus», organizada por Steichen no MoMA, em 48, e ainda em «The Family of Man», em 55, foi pouco publicado nesses anos; só a partir de 1977, graças a sucessivas bolsas, é que Louis Faurer passou a dedicar-se à reimpressão dos antigos trabalhos, que se foram descobrindo em várias exposições.


 Interessavam-lhe os vultos singulares dos transeuntes e as sombras da noite recortadas pelos reflexos das montras e dos automóveis, enquanto as solidões que se perdiam no ritmo frenético da cidade encontravam no seu olhar uma atenção cúmplice. Louis Faurer fotografava «à luz hipnótica do crepúsculo» (são palavras suas) a aceleração e a energia que se apossava do espaço urbano, em imagens duras e fraternas que reflectem a crescente inquietação da vida citadina.


 



Louis Faurer, «Rua 42, Nova Iorque, 1948» (Casa dos Crivos, Braga)


 

 Os fotógrafos de Nova Iorque descobriam então a nova estética da grande cidade com o poder revelador dos seus olhares fugitivos, trocando o rigor estático dos anteriores documentos pela velocidade da imagem insegura de um pequeno aparelho furtivamente levado na mão. Nas suas fotografias abundam os letreiros e painéis da publicidade luminosa (Faurer começara por ser pintor de tabuletas), os cromados dos automóveis, as «colagens» construídas pela sobreposição dos reflexos nas montras, imprimindo a alguns rostos estranhas metamorfoses. Robert Frank iria então definir um projecto mais político e depois voltou-se para a autobiografia; Faurer testemunhava os tempos de mudança com um olhar magoado que recusava a sátira sem nunca se tornar complacente.


 Da selva urbana pode passar-se ao coração da última das florestas, mas não se encontrará nas fotografias de Claudia Andujar a mitificação de qualquer paraíso perdido. Na única exposição albergada no Mosteiro de Tibães (devido às obras de recuperação em curso), exibe-se uma vasta síntese recente de um trabalho que se desenvolveu desde os anos 70 entre os índios Yanomami, prolongando sempre a fotografia com o activismo em defesa de um povo ameaçado de genocídio, cujo território só foi demarcado em 1992.


 A dimensão documental, que foi a base de anteriores exposições e livros, adquire aqui o carácter intimista de quem revê o que foi a implicação de uma vida, como se se tratasse de uma viagem iniciática: «Foi através da imagem do Outro que cheguei a conhecer-me», diz a fotógrafa. A informação etnográfica sobre a cultura indígena, embora não deixe de estar presente num trabalho que partiu do registo exaustivo do seu quotidiano, parece dar lugar à memória pessoal e à experiência da comunhão com uma outra realidade e concepção do mundo, preservada na sua diferença radical como algo que não é possível decifrar inteiramente, enquanto mero objecto antropológico, e que também não deve ser subjugado por uma abordagem esteticista ou pela atracção do exotismo.


 



John Max, sem título (Paço dos Duques, Guimarães)


 

 Nascida na Suíça em 1931, educada na Hungria e nos Estados Unidos, radicada no Brasil desde 1957 e naturalizada brasileira, oriunda de uma família judia desaparecida nos campos de concentração, Claudia Andujar anula a distância de um observador neutral para mergulhar no mundo dos Yanomami, partilhando em imagens de um preto e branco muito contrastado, misteriosamente iluminado (e em muitos casos manipulado a partir dos diapositivos de cor), as sombras da floresta, os fantasmas dos seus rituais mais secretos e também as ameaças que cercam este povo.


 Regresso à cidade. Periferia da grande metrópole. John Max (exposto nos Paços dos Duques, em Guimarães, a par de Gabor Szilasi) é um fotógrafo de Montreal, nascido em 1936 de pais ucranianos, que caíra quase no esquecimento depois de ter exposto e publicado Open Passport em 1972-73. Tinha começado a fotografar nos anos 50 nos meios «underground» e era marginal aos projectos documentais que então interrogavam a identidade do Canadá. Em 1997 voltaram a expor-se algumas dessas imagens e o Museu de Charleroi (Bélgica) ampliou a selecção para as trazer à Europa. Radicalmente subjectiva e autobiográfica, centrada na presença dos amigos e familiares, a obra de John Max expõe-se sem quaisquer datas ou referências, embora se reconheçam os retratos de Robert Frank, Frank Zappa e Leonard Cohen.


 Paralelo à deriva intimista de Frank, menos narcísico e sem montagens nem inscrições escritas, este trabalho poderá ver-se como antecessor da vaga recente das narrativas confidenciais, mas fica a grande distância do que nestas é banalização e irrelevância da exibição da privacidade. As suas fotografias são secretas deambulações pelos rostos das pessoas e os corpos das mulheres, fragmentos de paisagens habitadas ou de espaços domésticos, possíveis momentos de viagem, como um inventário de encontros fulgurantes e precários, sempre de composição instável e recortadas por negros profundos, mas sem nunca se fixarem numa regra ou num estilo. São imagens que tanto podem associar-se numa sequência de retratos, como exibir-se num painel heteróclito ou mostrar-se isoladamente, que se reconhecerão como totalmente privadas e indecifráveis, sem que a falta de um código as torne por isso inacessíveis ou indiferentes, oferecendo-se com uma constante intensidade explosiva.


 


Virxilio Vieitez, retrato (Fundação Cupertino de Miranda, Famalicão)


 

 Virxilio Vieitez (Fundação Cupertino de Miranda, Famalicão) é um fotógrafo popular galego descoberto na Fotobienal de Vigo em 98 e logo levado à galeria da agência Vu, em Paris, por Christian Caujolle, e aí acolhido com páginas inteiras dos jornais. Nasceu em 1930 em Soutelo de Montes, entre Pontevedra e Ourense, começou a fotografar num estúdio da Catalunha e estabeleceu-se na sua terra em meados dos anos 50, trabalhando como profissional de retratos durante três décadas. Em 97, Keta Vieitez, fotógrafa e filha, fez-lhe a primeira exposição, na sua aldeia, e é agora a sua impressora.


 Pouco interessado na imobilidade do estúdio, preferia trabalhar em exteriores e percorreu de Lambretta e depois de carro as aldeias da região (com incursões em Portugal, lembra-se o fotógrafo). Para além dos retratos «tipo passe» que agora se mostram ampliados, para os quais usava o sol e um fundo de pano branco (são os primeiros tempos da obrigatoriedade dos bilhetes de identidade), as fotografias destinadas aos parentes emigrados são parte essencial da sua actividade, incluindo casamentos, comunhões e funerais, estes para efeitos de partilhas. Trabalhava com composições frontais, dispondo com autoridade os modelos entre a vegetação ou junto dos grandes automóveis dos emigrantes, e outras vezes ainda no cemitério; a solenidade da ocasião impunha os melhores fatos e uma imensa gravidade nos olhos das crianças.


 O espólio poderia ser apenas um grande inventário de fisionomias e grupos populares, mas Vieitez é um grande fotógrafo, aplicado e original, com um extraordinário sentido da pose, dos olhares e da construção do espaço, cuja obra se encontra espontaneamente com August Sander ou Diane Arbus, e também com a serena estranheza de Meatyard, para lá da proximidade com os retratistas africanos revelados em anos recentes. Caujolle cita ainda Paul Strand, W. Evans, Dorothea Lange, Penn e Avedon.



 

Martin Parr, Braga («Memórias da Cidade», Museu dos Biscainhos)


 

 «Memória da Cidade» reúne no Museu dos Biscainhos quatro encomendas sobre Braga passadas a Martin Parr, José Manuel Rodrigues, Olívia Silva e Frédéric Bellay. Este, conhecido dos Encontros de Coimbra, refaz um levantamento topográfico e arquitectónico da cidade em transformação, com imagens geometrizadas e despojadas pela luz da noite. Olívia Silva prolonga o seu projecto de trabalho sobre o retrato de vendedores de mercados, usando a cor num estúdio improvisado e também a divertida cumplicidade dos seus modelos, com novas modalidades de instalação. Em José M. Rodrigues, a descoberta sensível da cidade é também o encontro consigo mesmo e com os temas que circulam noutras imagens de diferentes lugares – vejam-se a estufa arruinada (a construção humana que o tempo vai devorando) ou o auto-retrato diante da fonte (onde a água sai dos olhos de um rosto de pedra que a sombra da sua mão acaricia). Notem-se também as curiosas coincidências com Martin Parr, na imagem do talho com o borrego pendurado e no encontro com o fotógrafo ambulante.


 Quanto ao fotógrafo inglês que revolucionou <... confrontou> a tradição da Magnum, de quem os Encontros já tinham mostrado selecções de fotografias de The Last Resort (de 1986) e The Cost of Living (89), as suas imagens de Braga estão entre as mais fortes que se apresentam nesta edição, arruinando as «linguagens contemporâneas» que se mostram no Museu D. Diogo de Sousa. Como nas suas fotografias recentes (West Bay, de 97, exposto na Gal. Palmira Suso, ou Common Sense, já de 99), Parr volta a fazer um uso prodigioso das cores saturadas, do flash e da desfocagem selectiva, com a qual isola pormenores e os faz dialogar com os planos gerais deixados imprecisos. Neste caso, o teor crítico que é usual nas suas imagens, particularmente interessadas em denunciar a globalização massificadora do consumismo, dá lugar a uma observação mais serena e muito menos cáustica, marcada por uma evidente atenção ao lugar – é um trabalho muito diferente do exercício de um estilo adquirido, como é habitual neste tipo de encomendas. Ninguém viu assim os puxos entrançados das mulheres – ou as carecas dos homens – nas ruas de Braga, nem surpreendeu aqueles sábios diálogos entre humanos e animais (nas imagens do galo e do borrego esfolado).


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Retrato do século 

Expresso 15-05-99

O ESTADO DO TEMPO

Encontros da Imagem — Fábrica Confiança, Braga (Até dia 30)

 ESTA exposição não se extinguirá com o termo da 13ª edição dos Encontros da Imagem e deveria partir de Braga para uma demorada circulação pelo país. É um retrato caleidoscópico de Portugal ao longo do século XX (o primeiro integralmente coberto pela fotografia), ainda que a mostra se encerre em 1974, com uma imagem única do 25 de Abril.

 É uma gritante chamada de atenção para a enorme riqueza desconhecida que se deposita nos arquivos fotográficos nacionais e um alerta para o trabalho de investigação e divulgação que está quase inteiramente por fazer. E é também um manifesto acerca da fotografia (da arte da fotografia), mostrando como o respectivo universo é igualmente o das imagens funcionais, anónimas e vernaculares, realizadas com fins práticos (no caso, a Imprensa) por artesãos dedicados que não tiveram por primeiro objectivo fazer arte ou declararem-se artistas.


 


Encerramento do Parlamento em 31 de Maio de 1926 (Arquivo do «Diário de Notícias»)


 

Durante cerca de dez meses, Rui Prata (um dos dois directores dos Encontros de Braga) e Manuel Miranda (que foi um dos fundadores dos Encontros de Coimbra) seleccionaram em alguns arquivos fotográficos - em geral, a partir dos ficheiros de provas de contacto - as imagens que pudessem sumariar o curso da história portuguesa ao longo de três quartos do século, período a que corresponde o início e a generalização da imagem fotográfica publicada na imprensa de massas (até que se libertasse a concorrência da televisão). Fugiram «à pura ilustração dos grandes eventos, à imagem institucionalizada dos regimes políticos e da sua entronização cerimonial», trocando a cronologia dos acontecimentos e das figuras oficiais por imagens que concedessem «a máxima visibilidade aos modelos comportamentais, aos sentimentos e emoções, aos valores e estados de ânimo colectivos, captados pela fotografia», como avisa Manuel Miranda na introdução ao catálogo.


 É, naturalmente, uma escolha guiada pela história, mas também, com proveito suplementar, pela procura das «fotografias com alguma expressão», ou seja, conduzida por um critério informado pela cultura fotográfica e, por isso mesmo, atento à originalidade do olhar ou à sensibilidade do fotógrafo (um autor, mesmo que seja em geral anónimo e não se reconheça como artista), alguém que soube acrescentar à banalização dos testemunhos mecanicamente registados a eventual curiosidade por um tema invulgar ou a diferença da densidade significante que é assegurada por um ponto de vista e uma composição particulares. O que não significa o mesmo que procurar sobrepor uma intenção - ou atribuir um sentido - esteticizante à actividade documental, mas antes partir do conhecimento de que não existem diferenças, essenciais ou «a priori», entre fotografia de arte e fotografia vernacular.


 «From the Picture Press», uma exposição organizada em 1973 no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, por John Szarkowski, que foi uma pioneira aproximação crítica à fotografia de imprensa, já mostrara que o seu «tema essencial não era o momentâneo e o excepcional, mas o típico e o ritualístico», como escreveu Peter Galassi na apresentação de outra mostra, «Picture of the Times», que o mesmo museu dedicou em 1987 ao fotojornalismo do «The New York Times». «O Estado do Tempo» segue a lição dessas duas exposições do MoMA.


 São cinco os arquivos que se encontram representados nesta antologia, com destaque natural para os do «Diário de Notícias» e de «O Século» - este até há pouco integrado na Fototeca do Palácio Foz e agora depositado na Torre do Tombo, no recém-criado Arquivo de Fotografia de Lisboa, dependente do Centro Português de Fotografia. Cada um deles inclui também os espólios dos respectivos magazines fotográficos, o «Notícias Ilustrado» (fundado em 1928 por Leitão de Barros) e o «Século Ilustrado» (a partir de 1938), que acompanharam a seu modo a renovação do fotojornalismo internacional nas décadas entre as duas grandes guerras.


 


Peregrinos na Cova da Iria, Fátima, 13.10.1951 (Arquivo de «O Século»)


 

 Até aos anos 70 e 80, os arquivos dos jornais não referenciavam os nomes dos seus foto-repórteres, e a identificação da autoria de Joshua Benoliel (com 13 fotografias expostas) é praticamente um caso único, só acompanhado por duas imagens, de 1921, atribuídas a C. Garcês, aliás magníficas. Mas estão certamente representados outros nomes da mal conhecida história da fotografia portuguesa, como os de Deniz Salgado, Salazar Dinis, Marques da Costa (Júlio e Firmino - qual será o autor do notável álbum anónimo Alguns Aspectos da Viagem Presidencial às Colónias, em 1938-39, revelado há anos pela Ether?), António Novaes, José Lobo e até Augusto Cabrita e Eduardo Gageiro, já nos anos 60.


 Os outros acervos investigados permitiram descentralizar convenientemente as imagens do país, com base no Arquivo Abel Resende (1901-1994), de um profissional instalado em Aveiro, onde ainda cobriu o Congresso da Oposição Democrática, e no Arquivo «Formidável», alcunha de Fernando Marques (1911-1996), cauteleiro e fotógrafo, cujo espólio está preservado na Imagoteca Municipal de Coimbra. O último e mais recente arquivo utilizado foi o do fotojornalista Alfredo Cunha.


Com um total de 248 imagens, todas elas cuidadosamente reimpressas para a ocasião (grande parte em Paris), a mostra constitui um longo itinerário que nunca se torna rotineiro ou enfadonho, fraccionado em três grandes capítulos históricos, interrompido por algumas ampliações em grande formato que introduzem rupturas temáticas ou cronológicas (por exemplo, o achado dos pintores das tabuletas de trânsito dizendo «PELA DIREITA desde 1 de Junho», com o patrocínio do «Diário de Notícias» e da Vaccum Oil Company, fotografados dois anos depois do 28 de Maio de 1926) e, em geral, ordenado por grupos em que alternam os casos da actualidade política com os temas sociais e o quotidiano. Entretanto, o percurso é também balizado por numerosas imagens que se destacam da sequência expositiva para tomarem lugar no «corpus» ideal da fotografia portuguesa, em igualdade de condições com as melhores fotografias de qualquer autor mais reverenciado.


 No catálogo, onde se reproduzem todas as fotos expostas, um prefácio de Jorge Calado («As Imagens da Nossa Vida») é um instrumento precioso que servirá de guia à leitura mais atenta das fotografias e do seu itinerário, lançando as pontes necessárias para outros mundos e outros fotógrafos (desde os grandes pioneiros como John Thompson, Jacob Riis e Lewis Hine, que não foram artistas mas activistas e reformadores, ou os editores como Stefan Lorent). Sobre os autores desconhecidos que a exposição apresenta, Jorge Calado observa que «à semelhança do que aconteceu com os artistas medievais e outros mestres de Igrejas, vamos ter de identificar alguns dos fotógrafos anónimos como o senhor da escola de 'O Século', o fotojornalista à maneira de fulano, o mestre da fotografia da 'Chegada do Duque de Edimburgo ao Aeroporto do Montijo onde se encontrou com a Rainha Isabel II de Inglaterra'».


 Tudo começa com as «Décadas Vorazes» (1900-1933, embora as mais antigas fotografias sejam datadas de 1907); segue-se «O Poder das Sombras» (1933-1961) e depois o «Compasso de Espera» (1961-1974), até ao «Abril em Portugal», numa solitária fotografia do arquivo de «O Século», de Alberto Gouveia, Militares postados na montra do jornal «Época» no 25 de Abril: dois soldados de armas na mão postados no ressalto da montra enquanto três transeuntes se detêm a observar as fotografias aí expostas, de propaganda colonial. Aos emigrantes e bombistas da primeira etapa, sucederam os desfiles dos legionários, os caminhos de Fátima, as diversões da Feira Popular e os dramas dos cais de Belém. Uma pesada ordem reinou também sobre a fotografia.