sábado, 29 de maio de 1993

1993, Mês da Fotografia

 Mês da Fotografia, Lisboa 1993

Capa: Um mês de fotografia 


“Festas fotográficas”


EXPRESSO/Cartaz de 29/05/1993, pág 15


A POUCOS dias da abertura, o Mês da Fotografia ainda parece uma «aposta no impossível». É Serge Tréfaut, o seu principal responsável, quem o reconhece, enquanto garante o cumprimento de um programa de 24 exposições que começou por ser apenas uma das componentes das Festas de Lisboa, até se transformar na mais ambiciosa operação de divulgação da fotografia já ensaiada entre nós e também na primeira edição de uma bienal que tem por exemplo o «Mois de la Photo» de Paris. 

De facto, foi apenas em Janeiro que houve luz verde para arrancar verdadeiramente com a programação. Um prazo curtíssimo, quando não se pretende apresentar apenas exposições «enlatadas» (embora elas sejam a maioria absoluta) e quando se utilizam espaços espalhados pela cidade que exigem grandes investimentos na cenografia e na iluminação. 

O projecto acabou por estender a sua rede a instituições muito diversas, públicas e privadas, do Centro Cultural de Belém ao Porto de Lisboa (Gares Marítimas), dos Museus oficiais aos Monumentos tutelados pelo IPPAR e à Cinemateca (uma aliança SEC-CML que é uma surpresa), das galerias de arte às empresas mecenas (a Central Tejo, da EDP, o Museu da Água, da EPAL, o Convento do Beato, da Nacional), etc. É toda uma inédita manobra de articulação de esforços e colaborações, de que apenas ficou de fora a Gulbenkian, o que não deixa de ser uma das curiosidades desta iniciativa (por que não se cumpre, por exemplo, a anunciada apresentação das fotografias de Fernando Lemos, já levadas a Paris?).  


À partida, e com o optimismo conveniente nestas aventuras, há que apreciar a justeza de algumas das opções de base do programa. Ou seja, uma aposta menos imediatamente guiada pelo «prisma da arte» do que pela afirmação do poder de comunicação da fotografia, concedendo um lugar central ao foto-jornalismo e à fotografia documental (Sebastião Salgado, «Magnum no Leste»), e usando-a por ponto de partida, em diversos casos, para abordar temas e acontecimentos (mergulhando nos arquivos para falar da história da guerra colonial ou dos transportes da cidade, por exemplo). 

Em segundo lugar, valorize-se a intenção de apresentar vários dos mestres e dos nomes históricos da fotografia (Lartigue, Cartier-Bresson, Doisneau, Tony Ray-Jones, Mapplethorpe), deixando a responsabilidade pela apresentação de trabalhos mais experimentais ou «artísticos» às galerias de arte que se associaram ao projecto — mas o predomínio francês da programação geral e a importação de autores já mostrados recentemente em Coimbra só se aceita pelos condicionalismos citados e pelo maior poder de oferta das instituições públicas parisienses. Por último, note-se a vontade de apresentar exposições para todos os públicos e de diversificar os modos de expor, com a aposta no espectáculo de algumas montagens preciosas (Nadar, Bonnard, Muybridge & Marey) e a exploração das grandes ampliações e dos diaporamas. 

 

JOÃO CUTILEIRO

Gal. Valentim de Carvalho

«Memórias», retratos (inéditos) de amigos e familiares, 1958-70. As fotos foram-se perdendo pelas gavetas e pelas paredes (serviram até de alvo para setas), amareleceram e comeu-as o bicho. Juntas agora, traçam uma galáxia de relações, amizades e amores que veremos ao sabor das identificações disponíveis a cada um: Fernando Mascarenhas (em 65), Jorge Sampaio e Karin Dias, João Cid dos Santos, Francisco Keil do Amaral, Ana Viegas, Maria Cabral e Vasco Pulido Valente, Mário Cesariny (uma parede com seis fotos de 64), Menez (Londres, 63), Reg Butler, José Cardoso Pires (60), Ruy Cinatti, Gerard Castello Lopes, etc, e um auto-retrato legendado «Paul Newman». Por vezes, as cabeças deixam adivinhar um olhar escultórico, a caminho de outros retratos (Helder Macedo, Azevedo Gomes, Keil do Amaral). Com os retratos de Lemos, tão diferentes, estas fotos privadas levantam um véu sobre um passado oculto, aqui apercebido como um tempo feliz. São pequenos grandes nadas. (até 30 Junho)

05/06/93

«Memórias», retratos (inéditos) de amigos e familiares, 1958-70. 100 fotografias que traçam um percurso de cumplicidades pessoais, transportando a memória do seu uso (as paredes, os albuns, ou até o alvo para setas) e um seguro valor de documento sobre os meios intelectuais do seu tempo. Mas é também a procura do sentido do retrato que nelas se encontra, na diversidade dos enquadramentos e das poses «colhidas do natural», ao mesmo tempo que o olhar do escultor se adivinha. Cutileiro mostrara fotografias numa exp. em 1961 e fez parte da geração dos «olhares inquietos» (A. Sena) — este é mais um passo na recuperação de uma indispensável memória fotográfica. 


«NADAR:  O OLHO LÍRICO»

Torre Ôca do Mosteiro dos Jerónimos, Museu da Marinha

A exp. de inauguração oficial do Mês da Fotografia é também uma grande aposta ganha: é num fabuloso cenário que lembra os bastidores dum palco que se expõem os retratos dos cantores de ópera que passaram pelo estúdio de Paul Nadar (filho e continuador de Félix), acompanhados por fatos de cena, adereços, cenários e objectos de estúdio e registos sonoros. Às impressões modernas, de grande qualidade, juntam-se algumas provas de época, cartões de vista e outros documentos preciosos. Quando a fotografia não é de primeira importância, impõe-se a força de uma montagem ao mesmo tempo espectacular e didáctica. Exp. dos Archives Photographiques de la Direction du Patrimoine, Paris, comissariada por Lise Grenier, que foi um dos grandes êxitos do último Mois de la Photo. 


12.|/06 A fotografia e a ópera: retratos de cantores e o estúdio de Paul Nadar, num magnífico cenário também operático. Um luxo de encenação, didáctica e preciosa. 



EXPRESSO/Cartaz 12 / 06/1993


“Luzes e sombras”


DAS exposições do Mês da Fotografia anunciadas no Cartaz anterior, encontravam-se 11 abertas no passado sábado e quatro encerradas (seriam seis as não inauguradas se se tomasse por certo o calendário inicialmente divulgado). Entretanto, nenhuma informação colocada nas exposições patentes ao público alertava o visitante interessado para que evitasse deslocações inúteis, tal como, em geral, nenhum cartaz justificava os adiamentos nos locais não abertos. São falhas de organização inadmissíveis, e toda a argumentação que procure justificar-se com o gigantismo do programa deve ser liminarmente rejeitada. É sob reserva, por isso, que adiante se referem todas as exposições com abertura prevista para os últimos dias.

Anote-se, na mesma linha de considerações, o entendimento autista da Cinemateca, que reservou a exposição aí apresentada para os frequentadores das suas sessões, com a agravante estúpida de exigir a compra de um bilhete para o cinema a quem apenas pretende ver as fotografias (e eventualmente inviabilizando desse modo o acesso de espectadores à sua sala). Tal orientação foi confirmada directamente por um dos directores da casa.

No caso da exposição de Cartier-Bresson, os vidros encontram-se em muitos casos riscados, impedindo uma observação capaz. Na de Varda há provas em mau estado. Na exposição de Mapplethorpe não se encontram fotografias publicadas no catálogo. Quanto a este, sublinhe-se também a ausência de notas biográficas sobre os fotógrafos (falta que poderia ter sido compensada por folhas em distribuição nas respectivas mostras), bem como a superficialidade dos seus textos  a grande qualidade de impressão, feita na Suiça, não é compensação bastante. Por outro lado, a importação dos catálogos ou livros que acompanham as exposições apresentadas igualmente não se fez, ao contrário do exemplo dado, por exemplo, no último Fotoporto.

A presença de numerosos fotógrafos e comissários estrangeiros deveria ter proporcionado uma série de conferências ou debates, em vez de se perder num calendário de inaugurações confidenciais. Desbaratou-se assim a oportunidade de fazer do Mês da Fotografia uma ocasião de encontros e trocas de informações, num panorama dominado por pequenas guerras fratricidas.

São estas apenas algumas das limitações graves de um programa de que se aceitou aqui, inicialmente, o espírito de aventura. Há exposições de grande qualidade, a estratégia de diversificação de espaços é um trunfo importante, o cuidado posto na cenografia e na iluminação é, em muitos casos, apreciável (Nadar, Bonnard, Cartier-Bresson, Mapplethorpe, Arno Fischer, James Herbert). Mas nada disso é suficiente se, mesmo numa primeira edição, o calendário não for credível e as condições de visibilidade não forem óptimas. 


HENRI CARTIER-BRESSON

Museu de Etnologia

150 fotografias, 1929-1978 (com vidros por vezes riscados) num espaço de grande qualidade. «Para mim a grande paixão é o tiro fotográfico, que é um desenho acelerado, feito de intuição e de reconhecimento de uma ordem plástica, fruto, em mim, da frequentação dos museus e das galerias de pintura, da leitura e de um apetite do mundo» (H.C.B., 1986, «Les Cahiers de la Photographie», nº 18, pág. 118). Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris. 


19/06 «Sem minimizar o valor da sua obra como reportagem, deve ser dito que as fotografias de C.-B. são veneradas pelos outros fotógrafos porque são belas. Possuem graça, equilíbrio, economia, tensão, e impacto visual: as qualidade de um bom ginasta ou bailarino. Ou as qualidades de uma boa imagem (picture)», Szarkowski, Looking at Photographs, pág. 112. Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris, recebida em mau estado de conservação, com acrílicos riscados. 


«BONNARD FOTÓGRAFO»

Palácio da Ajuda

Uma única prova original, c. 1916, 8,8x5,9cm, e 25 reimpressões modernas das fotos de Pierre Bonnard (1863-1947): instantâneos da intimidade familiar do pintor, explorando com a magia da fotografia os temas e o modo de ver que conhecemos da pintura. O banho, o corpo em movimento, os cães e os gatos, o retrato e a relação com o observador, a liberdade de experimentar a suspensão do tempo e de fragmentar o espaço. A montagem é óptima mas a representação das 276 fotos conhecidas é demasiado exígua. Colecção do Museu d'Orsay.


AGNÈS VARDA

SNBA

Varda-fotógrafa começou por trabalhou com o Théâtre National Populaire de Jean Vilar e Gérard Philip, entre 1948 e 1960, passou à reportagem (China, Cuba e Portugal, 1956), e depois ao cinema, mantendo neste, na relação entre documentário e ficção, uma mesma atenção ao real e em especial às pessoas, à sua verdade essencial. São as mulheres e as crianças que Varda mais fotografa, atenta à violência do esforço de quem transporta cargas enormes ou à beleza dos olhares; sempre a possibilidade da ficção e a interpelação do espectador, nos retratos frontais ou no geometrismo das composições.

19/06 As fotografias de Varda interessam-se pelas pessoas. Com o TNP de J. Vilar e G. Philipe (entre 48 e 60) as convenções do palco abrem-se, para trás das máscaras, a um exercício de humanidade. Nas reportagens, nomeadamente em Portugal, é o esforço do trabalho primitivo, as mulheres carregadas, que impressionam Varda, sempre em confronto com as crianças, a esperança possível. Terceiro capítulo, os retratos: a pose como desafio ao tempo congelado. Com catálogo. 


ARNO FISCHER

Central Tejo

Um notável fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928) revelado pelos Encontros de Braga e apresentado agora num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam. A grande tradição da fotografia de observação social, usando a solidez das composições para instabilizar o espaço e o tempo.

19/06 Um interessante fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928), num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam.


MAPPLETHORPE 

Bar Bouzouki 

«A caminho de Deus»: os corpos e as flores numa pequena mostra que é uma aproximação exemplar à obra de um grande fotógrafo clássico.

19/06 «A caminho de Deus»: os corpos e as flores (uma mesma imagem da sexualidade)...


ALLAN McCOLLUM

Módulo

15 trabalhos da série «Perpetual Photos» de um artista de Nova Iorque (n. 1944, Califórnia). Note-se como o cuidado posto nas condições fotográficas (impressão fotográfica, molduras e vidros, galeria repintada de cinzento) é paralelo a um exercício de invisibidade ou não-informação, que desvia a fotografia para um suposto terreno da arte enquanto exercício auto-interrogativo sobre as suas condições próprias de produção. Não se duvida da inteligência do propósito e da sua eficácia no contexto do actual «mundo da arte» — apenas se prefere a junção dessas condições com a vontade de ver.


CRAIGIE HORSFIELD

Galeria Cómicos/Luís Serpa

Fotos em provas únicas de grande formato — retratos, objectos, fragmentos de cidade — por um inglês nascido em 1949, contemporâneo das vanguardas de 60-70, emigrado para a Polónia e que só começou a expor em 1988. É uma das aventuras actuais da fotografia, procurando uma visibilidade próxima das artes plásticas em impressões que exploram a presença matérica das superfícies e o efeito das grandes escalas; a neutralidade da informação corresponde aqui a um grande investimento    na especificidade fotográfica dos valores da luz, na fronteira de uma nova (?) direcção picturialista.


JAMES HERBERT

Jardim Museu Tropical

«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus filmes, tratando com efeitos de luz e de grão as epidermes de corpos jovens. Na semana passada escreveu-se Larry Fink quando se queria referir Larry Clark — quando a David Hamilton nada a corrigir. 


EXPRESSO/Cartaz de 19/06/1993, p. 14


COM A abertura tardia das quatro exposições adiante indicadas em primeiro lugar, o Mês da Fotografia ganhou a dimensão de um acontecimento único em Lisboa. Para lá das insuficiências apontadas há uma semana (e em especial da não importação dos catálogos originais das exposições), importa agora sublinhar a decisiva qualidade de muitas das mostras apresentadas e a importância do efeito global causado pela simultaneidade da sua exibição, cujo impacto é avaliável pelo fluxo permanente dos visitantes. 

O programa dirigido por Serge Tréfaut, com o seu coroamento na exposição de Sebastião Salgado visível no CCB — e enquanto se aguarda ainda o confronto global com uma das apostas centrais do Mês, a exploração dos Arquivos Nacionais —, é já, de facto, um «quase milagre», como ele próprio escreveu no prefácio do catálogo geral. É esta a altura para sublinhar a epígrafe escolhida para o programa — «A fotografia é o espelho da vida» (espelho e janela, e por vezes instrumento para a acção, índicio e arma) — e para apoiar os seus princípios centrais: «Em primeiro lugar, era preciso que o lote das exposições fosse de peso. Que alterasse a atmosfera da cidade e, no limite, deixasse as pessoas atónitas.» E ainda: «Uma recusa frontal e violenta de fazer um festival para especialistas e 'connoisseurs'.» A batalha está ganha, é preciso assegurar que o Mês da Fotografia dê, efectivamente, lugar a uma bienal.

Destaque-se, para além das fotografias, a criação de um itinerário por museus e edifícios patrimoniais em muitos casos raramente frequentados ou desconhecidos, com um efeito real de animação e descoberta da cidade. Mas, em especial, há que destacar o investimento feito nos projectos de montagem, na cenografia das exposições, a cargo de uma equipa de arquitectos (Bugio, Lda — Pedro Borges, Paulo Fonseca, Miguel Figueira, Paulo Palma, Filipe Macedo) que soube criar uma linguagem própria, globalmente unificada pelo uso do ferro, do cimento e da madeira, e sempre diversa consoante os diferentes locais e exposições. Igualmente a iluminação, dirigida por Vladimir Bryliakov, merece um palavra de elogio.

Importa, desde já, assegurar a continuidade da iniciativa, comprometendo as muitas entidades que este ano se lhe associaram, e outras também, certamente, num projecto que, a partir de agora, deve ser estrurado com tempo e com meios bastantes.   


ROBERT DOISNEAU e TONY RAY-JONES,  Convento do Beato

Duas retrospectivas. Ver artigo de Jorge Calado na «Revista». 


SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém

«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album. Ver artigo na «Revista». (Blog)


JACQUES-HENRI LARTIGUE, 

Pavilhão de Vidro do Instituto Sup. Agronomia

«Le passé composé»: fotos «panorâmicas», realizadas entre 1922 e 1931 pelo mais famoso dos amadores. É este o melhor momento da obra de Lartigue, quando à possibilidade de um acesso precoce à fotografia e à «oisivité» propiciada pela fortuna se soma, graças à utilização de um formato específico, uma excepcional oportunidade de acordo entre a exploração do espaço panorâmico e o testemunho autobiográfico dos «roaring twenties»: a velocidade, o mapa dos paraísos mundanos. 


PHILIP-LORCA diCORCIA

Galeria Palmira Suso

«Strangers and others». É a única exp. integralmente a cores e é a revelação de um novo e notável fotógrafo americano. O seu olhar sobre os interiores domésticos e sobre as personagens que os habitam (muitas vezes seus familiares), ou os retratos do seu projecto sobre os travestis de Los Angeles (os «Strangers»), tem a frescura de um modo próprio de ver o mundo de hoje. Na suspensão dos gestos e na surpresa das escalas, ou nas encenações que fixam a realidade encenada do espectáculo social, a superfície das coisas é um ecran que guarda os seus segredos no acto de se exibir. 


LISBOA SOBRE RODAS, Museu dos Coches

Uma rápida viagem pelos meios de transporte (35 reimpressões de fotos de diversos Arquivos), em mais uma belíssima montagem. De como usar a fotografia, por vezes boas fotografias, para conhecer a cidade. 


GEORGES DUSSAUD

Museu da Marinha

«Paisagens»: Trás-os-Montes, a costa do Norte e os Açores por um fotógrafo francês que tem trabalhado sistematicamente em Portugal, com o apoio do Ministério da Agricultura de Paris, e que foi também exposto nos últimos Encontros de Coimbra e de Braga. Aqui, a estratégia documental complica-se com uma hesitante vontade de arte, e a poesia dos espaços evanescentes exigiria outra relação com as suprfícies impressas. 


PENA CAPITAL, Museu da Água/EPAL

Álvaro Rosendo, Daniel Blaufuks, Nuno Felix da Costa, António Pedro Ferreira, Joana Pereira Leite e Michel Waldman na única apresentação da fotografia portuguesa contemporânea, que ficou muito abaixo das expectativas autorizadas pelo curso das coisas na última década. Produção da Galeria Alda Cortez, com publicação de um livro. 


«CORPO A CORPO», Convento dos Cardaes

A colecção Desbonnets revelada no último Mois de la Photo. A fotografia ao serviço da «cultura física» e da beleza clássica: a saúde e o nu atlético. Com versões preparadas para invisuais. 


MES 5


HENRI CARTIER-BRESSON, Museu de Etnologia

«Cartier-Bresson esforçou-se por pôr a sua sensibilidade de fotógrafo ao serviço do jornalismo... Apesar do seu manifesto vigoroso e subtil a favor do papel do repórter fotográfico, as fotografias expostas fazem pensar que o jornalismo foi a ocasião, não a força motriz do melhor da sua obra», Szarkowski, 1968, citado por Peter Galassi, in H.C.B.: Premières Photos, Arthaud, 1991. Retrospectiva do Centre National de la Photographie, Paris.


SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém

«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album editado pela Caminho, que constituem um dos mais ambiciosos projectos fotográficos de sempre. A arqueologia (e a elegia) do trabalho industrial num inventário recolhido em todos os continentes que é também uma intervenção de forte carácter político — a distinguir das tradições históricas do realismo socialista e da «fotografia humanista».


ROBERT DOISNEAU, Convento do Beato

Retrospectiva de um dos mais famosos fotógrafos de Paris, organizada exemplarmente pelo Museu de Arte Moderna de Oxford, em 1992: raramente é possível conhecer um fotógrafo através das suas edições originais, completadas por provas de contacto e outros materiais, mas Doisneau não é um fotógrafo genial, ainda que tenha produzido algumas imagens emblemáticas das décadas de 30-50. 


TONY RAY-JONES, Convento do Beato

Menos conhecido que Doisneau, até porque morreu em 1972 com apenas 30 anos, T.R.J. é um dos pontos cimeiros do Mês da Fotografia, numa retrospectiva organizada pela Photographer's Gallery (Londres, 1990) com tiragens originais. Depois de Bill Brandt e antes da actual geração de fotógrafos ingleses, Parr, Davies, Killip e outros, são dele alguns dos mais incisivos retratos sociais da Grã-Bretanha. Cruéis e «verdadeiros». 


JACQUES-HENRI LARTIGUE, Pavilhão de Vidro do Instituto Sup. Agronomia

«Le passé composé», fotos «panorâmicas», realizadas entre 1922 e 1931 pelo mais famoso dos amadores: o melhor momento da obra de Lartigue, quando à possibilidade de um acesso precoce à fotografia e à «oisivité» propiciada pela fortuna se soma, graças à utilização de um formato específico, uma excepcional oportunidade de acordo entre a exploração do espaço panorâmico e o testemunho autobiográfico dos «roaring twenties».


MAPPLETHORPE, Bar Bouzouki 

«A caminho de Deus»: os corpos e as flores (uma mesma imagem da sexualidade) numa pequena mostra que é uma aproximação exemplar à obra de um grande fotógrafo clássico. 


PHILIP-LORCA diCORCIA, Galeria Palmira Suso

«Strangers and others». É a única exp. integralmente a cores e é a revelação de um novo e notável fotógrafo americano. O seu olhar sobre os interiores domésticos e sobre as personagens que os habitam (muitas vezes seus familiares), ou os retratos do seu projecto sobre os travestis de Los Angeles (os «Strangers»), tem a frescura de um modo próprio de ver o mundo de hoje. Na suspensão dos gestos e na surpresa das escalas, ou nas encenações que fixam a realidade encenada do espectáculo social, a superfície das coisas é um ecran que guarda os seus segredos no acto de se exibir. 


«NADAR:  O OLHO LÍRICO», Torre Ôca dos Jerónimos, Museu da Marinha

A fotografia e a ópera: retratos de cantores e o estúdio de Paul Nadar, num magnífico cenário também operático. Um luxo de encenação, didáctica e preciosa. 


«BONNARD FOTÓGRAFO», Palácio da Ajuda

Uma única prova original e 25 reimpressões modernas das fotos de Pierre Bonnard (1863-1947): instantâneos da intimidade familiar do pintor, explorando com a magia da fotografia os temas e o modo de ver que conhecemos da sua pintura. O banho, o corpo em movimento, os cães e os gatos, o retrato e a relação com o observador, a liberdade de experimentar a suspensão do tempo e de fragmentar o espaço. Colecção do Museu d'Orsay. 


ARNO FISCHER, Central Tejo

Um interessante fotógrafo da ex-RDA (n. Berlim, 1928), num espaço industrial magnificamente explorado. Berlim dos anos 50, Marlene Dietrish em Moscovo (64), Nova Iorque, 1984: os cenários do poder e a inscrição de uma radical perturbação na presença insondável dos personagens que o habitam. 


1961-1974 OS ANOS DA GUERRA, Gare da Rocha Conde de Óbidos

A ENCENAÇÃO DO ESTADO NOVO, Gare Marítima de Alcântara

Um mergulho nos arquivos desconhecidos que constitui em especial uma chamada de atenção para a necessidade de abrir e estudar os seus espólios com vista a recuperar uma iconografia desconhecida, e também um longo capítulo da difícil história da fotografia em Portugal. Mas há o perigo de se terem gasto boas ideias em exp. preparadas sem condições de tempo e de trabalho. Tirou-se um correcto partido cenográfico das grandes ampliações, em especial na Gare da Rocha, e criaram-se curiosas soluções arquitectónicas (como as reportagens sobre a Mocidade Portuguesa encerradas numa grande, excessivamente grande, caixa fechada), em locais marcados pelas memórias do tempo e pelas pinturas de Almada que a ele também de associam. Se há alguma exiguidade de imagens no caso do Estado Novo — acompanhadas por textos que apenas reiteram o seu sentido, quando se exigiriam antes informações precisas —, as imagens da guerra ganham com o diaporama de José Álvaro Morais uma perturbadora eficácia.  


LISBOA SOBRE RODAS, Museu dos Coches

Uma rápida viagem pelos meios de transporte (35 reimpressões de fotos de diversos Arquivos), em mais uma montagem atraente que termina com a chegada a Lisboa do primeiro autocarro de dois pisos. De como usar a fotografia, por vezes boas fotografias, para conhecer a cidade. 


CRAIGIE HORSFIELD, Galeria Cómicos/Luís Serpa

Provas únicas de grande formato e grande qualidade matérica — retratos, objectos, fragmentos de cidade — por um artista inglês. 


VLADIMIR BRYLIAKOV, Museu de Arqueologia

Exp. extra-programa do responsável pelo desenho de luzes de todo o «Mês», e que é também a primeira individual de um fotógrafo russo. O suporte fotográfico é sujeito a um tratamento pictural que altera e oculta a imagem inicial, por vezes sugerindo o tratamento dado aos ícones, outras vezes registando uma espécie de corpo a corpo do autor com o registo inicial. É, no quadro global da programação, um exemplo positivo da passagem para lá da fotografia, em objectos que são também desenho ou pintura. Com uma interessante solução de montagem. 


JAMES HERBERT, Jardim Museu Tropical

«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus filmes, tratando com efeitos de luz e de grão as epidermes de corpos jovens. 


ALLAN McCOLLUM, Módulo

15 trabalhos da série «Perpetual Photos» de um artista de Nova Iorque (n. 1944, Califórnia): um suposto terreno da arte enquanto exercício auto-interrogativo sobre as suas condições próprias de produção. 


MAREY & MUYBRIDGE, Museu de História Natural

Da fotografia ao cinema: o estudo do movimento e a animação das imagens numa exposição que conta com impressões originais do século XIX (Muybridge — enquanto o contacto com o trabalho de Marey é exíguo e deficiente) pertencentes à Cinemateca Francesa e com uma montagem de grande eficácia visual, mas a que falta um complemento de informação que permita situar cronologicamente os materiais e justificar a sua importância pioneira. 


«CORPO A CORPO», Convento dos Cardaes

A fotografia ao serviço da «cultura física», na viragem dos séc. XIX-XX, através da colecção Desbonnets: a saúde, os ideais da beleza clássica e o nu atlético. A muito irregular qualidade das reimpressões modernas e a ausência de esclarecimentos sobre o material exposto tornam a exp. uma mera curiosidade. 


GEORGES DUSSAUD, Museu da Marinha

«Paisagens»: Trás-os-Montes, a costa do Norte e os Açores por um fotógrafo francês que tem trabalhado sistematicamente em Portugal. 


A CAPTURA DE GUNGUNHANA, Torre de Belém

Exp. de fotografias de diversos arquivos sobre a «diáspora» do último monarca do REino de Gaza, Moçambique. 




MES 6


O MÊS da Fotografia terminou oficialmente, mas enquanto algumas exposições vão desaparecendo, outras se inauguram ainda. Foi o caso, esta semana, da exposição documental dedicada a Gungunhana, na Torre de Belém, e será, dentro de dias, o de uma das mostras mais aguardadas, «Magnum no Leste», anunciada para a Estufa Fria. Entretanto, não houve apenas adiamentos de inaugurações: em certos casos, como os de Mapplethorpe e Arno Fisher, entre outros, foram também adiadas as datas previstas para o fecho das exposições. O panorama é ainda excepcional.


ROBERT DOISNEAU, Convento do Beato

Retrospectiva de um dos mais famosos fotógrafos de Paris, organizada exemplarmente pelo Museu de Arte Moderna de Oxford, em 1992: a presença das edições originais, acompanhadas por provas de contacto e outros materiais, bem como a extensão da antologia, que inclui as encomendas publicitárias, as reportagens e numerosas imagens emblemáticas da fotografia humanista francesa documentam uma obra que é significativa sem ter sido genial. 


TONY RAY-JONES, Convento do Beato

Menos conhecido que Doisneau, até porque morreu em 1972 com apenas 30 anos, T.R.J. terá sido a descoberta mais importante do «Mês». A retrospectiva organizada pela Photographer's Gallery (Londres, 1990), com tiragens originais, veio também colmatar parcialmente a raridade dos contactos com a tradição da fotografia de observação social inglesa, poderosa em Bill Brandt e recentemente renovada com toda uma geração de «herdeiros» de T.R.J. 


JAMES HERBERT, Jardim Museu Tropical

«Stills»: J.H., cineasta americano, refotografa imagens dos seus próprios filmes, explorando a sensualidade de corpos jovens com os valores físicos da impressão fotográfica. 


SEBASTIÃO SALGADO, Centro Cultural de Belém

«Trabalho»: 250 fotografias, dois diaporamas e um album editado pela Caminho. É a mais importante das exposições que entraram em circulação em 1993

 






 

sábado, 22 de maio de 1993

1993, André Kertész, "Ma France", Encontros da Imagem de Braga

 Encontros da Imagem de Braga 1993

“Mestre Kertész”


EXPRESSO/Revista 22/05/1993, pp 46-47



HÁ DOIS encontros de fotografia nos Encontros da Imagem de Braga. Dois modos de divulgação da fotografia, apenas coincidentes no tempo desta 7ª edição: Kertész e os outros.

André Kertész, que é habitual considerar um dos maiores fotógrafos de sempre (ou mesmo o maior), é apresentado pela exposição «Ma France», uma selecção das fotos que realizou em Paris entre 1925 e 1936, associadas a algumas outras com datas que vão de 1948 a 1984, resultantes de episódicos regressos a França. Pierre Bonhomme, o comissário, estruturou-a numa sequência de núcleos temáticos que se distribuem pelas pequenas salas do Museu dos Biscainhos: retratos dos amigos húngaros também exilados, retratos de artistas e escritores e fotografias dos cafés ou ateliers parisienses (Mondrian, Chagall, Zadkine, Foujita, Lurçat, Mac Orlan...), reportagens publicadas na imprensa da época, fotografias escolhidas pelo próprio autor para exposições nos anos 20 e 30, a série das «Distorções», as vistas de Paris, etc. Por outro lado, colocou em contiguidade, no interior de algumas das séries, fotografias com quase seis décadas de distância — e só as legendas permitem em muitos casos distingui-las. 

A mostra foi acompanhada pela importação de alguns exemplares do livro-catálogo com o mesmo título (Ma France, «Collection Donations», volume 2, coedição La Manufacture e Ministère de la Culture, Paris, 1990; 276 págs., 395 FF, 10. 000$00). Além de ser um album belíssimo, onde se segue a mesma ordenação da exposição, com mais imagens e mais documentação, os textos de Isabelle Jammes, Jean-Claude Lemagny, Michel Frizot e em especial Sandra Phillips constituem uma contribuição importante para enquadrar o itinerário francês do fotógrafo. Exposição e livro resultam dos primeiros anos de trabalho sobre o espólio de Kertész, confiado à Mission du Patrimoine Photographique (da Direction du Patrimoine, Paris), que tem precisamente por atribuição a prospecção, a conservação, o estudo e a divulgação das doações fotográficas feitas ao Estado, e de que Pierre Bonhomme é o director. 


NASCIDO em Budapeste em 1894, André Kertész chegou a Paris com 31 anos, já como fotógrafo publicado e premiado, e integrou-se rapidamente nos meios da vanguarda artística e literária do tempo, ao mesmo tempo que começava a colaborar como «freelancer» em revistas franceses e alemães. Em 1928 trocou os seus pequenos aparelhos pelos 35 mm da Leica e foi um dos primeiros fotógrafos a explorar as possibilidades mecânicas e estéticas da nova câmara, que lhe permitia associar a declarada atitude de amador com a expontaneidade do olhar e a velocidade do registo, transportando-as para um novo estilo de magazines. 

Fundador da fotografia moderna, Kertész foi nesses anos, simultaneamente, o passeante disponível para os encontros de acaso, que Breton teorizava, e o turista guiado nas ruas de Paris pela curiosidade e pelo pitoresco; foi o repórter, o publicitário e o artista que fundia numa mesma prática da fotografia um olhar avesso a todos os sistemas: «entre uma fotografia de ilustração e uma fotografia estritamente pessoal, a diferença está sobretudo no uso que delas se faz; ninguém já as separa uma da outra, nem as hierarquiza», escreve Pierre  Bonhomme (Ma France, pág. 12). Com ele, que foi o primeiro a introduzir o humor na fotografia, como notou Pierre de Fenoyl, o onírico surrealista nunca se transformou em receita de escola, a estruturação pós-cubista da composição não se encerrou na pesquisa formalista, a atenção ao imprevisto não se prendeu à busca do anedótico, e a relação calorosa com o mundo não se fixou no humanismo sentimental que marcou grande parte do realismo francês.  

Nos retratos e fotografias de atelier, por exemplo, a aproximação ao universo próprio de cada um dos artistas materializa-se ora no rigor da espacilidade recticulada de Mondrian, ora na presença ondulante e evanescente do casal Chagall. O interesse pela construção geométrica da imagem não limita a discrição do concreto; o sentido dos espaços e o gosto pelo pormenor, a elegância gráfica, a preocupação pela captação das matérias e das estruturas é simultânea com a permanente relação sentimental com o real; o rigor plástico, que pode fazer da fotografia publicitária um radical momento de estudo das formas (La fourchette, 1928), exprime uma certa arte de viver. Kertész não teoriza nem se fixa numa atitude; inventa e abre caminhos sem criar uma escola; ensina a ver e estabelece um catálogo de temas que outros explorarão. «Eu sou... um amador e tenciono permanecer um amador toda a minha via», dizia em 1930 (cit. pág. 65).

Em 1936, no entanto, Kertész aceitou um contrato com a agência Keystone, em Nova Iorque, e iniciou então um longo e amargo exílio americano que durou até à morte em 1985. Só em 1962, ao abandonar um contrato de exclusividade com o grupo Condé Nast, para quem fez fotografia de moda e de arquitectura interior, voltou a dedicar-se livremente à sua obra pessoal, já com 68 anos; no ano seguinte recebeu a medalha de ouro da Bienal de Veneza e conseguiu recuperar os negativos húngaros e parisienses deixados em França e escondidos durante a guerra. Obtivera a nacionalidade americana em 1944 e a partir dos anos 60 conheceu um segundo período de reconhecimento (MoMA, 1964), mas, ainda em memória dos seus anos mais felizes e fecundos de Paris, acabou por doar em 1984 todos os seus negativos (100 000), documentação e correspondência ao «povo francês». (A colecção pública — e secreta — da SEC possui duas fotografias de Kertész, Distorção # 76, de 1933, e Brick Walls, de 1961).


TEM SIDO muito rara, em Portugal, a possibilidade de contacto directo com a obra dos criadores essenciais da história da fotografia, através de exposições monográficas acompanhadas por catálogos que as estudem e que coloquem as imagens à disposição de olhares mais demorados. As instituições públicas (Gulbenkian, Serralves...) e os encontros de fotografia (Coimbra, Braga, etc) têm dispersado a sua actividade por figuras laterais ou tidas por mais modernas, com algumas excepções meritórias; mais raramente ainda completam a exibição efémera das fotografias com a realização ou importação de catálogos. Também por esse motivo, a exposição Kertész deve ser saudada como um acontecimento excepcional. 

Mas o facto de se tratar de uma retrospectiva (onde faltam, naturalmente, as fotografias feitas na Hungria desde 1912 e toda a produção americana) não remete esta antologia para um qualquer distante limbo da História, nem autoriza uma abordagem historicista que se estabeleça em contraposição ao que seria o presente da fotografia. 

Se a obra de Kertész atravessa todo o século e se ele é o mestre reconhecido de tantos outros criadores (de Brassaï, de Cartier-Bresson, da fotografia humanista francesa, de Gibson, etc), poderá reconhecer-se também que a sua produção das últimas décadas não é o prolongamento de um estilo, a mera sobrevivência de um modo ou de um olhar. É a obra da maturidade de um grande artista, mesmo quando, em Nova Iorque, depois de duas agressões, já quase só fotografava a partir da janela da sua casa, ou quando, em 1984, revisitava em Paris as «Distorções» que publicara em 1933 por encomenda do jornal «Le Sourire». Não foi por acaso que na edição do EXPRESSO/Revista comemorativa dos 150 anos da fotografia (7.10.1989) Jorge Calado escolheu uma fotografia de Kertész para documentar a década de 60. 

É que a fotografia não se deixa apreender segundo o modelo historicista reinante nas artes plásticas e, como diz, por exemplo, Jean-Marie Sheaffer e esta exposição de Kertész plenamente demonstra, «pode colocar-se lado a lado uma imagem dos anos 40 do século XIX e uma fotografia contemporânea sem se experimentar um desvío histórico de princípio» ou de «horizonte semiótico» (L'Art de l'Âge Moderne, 1992, pág. 366). «O ritmo da evolução da fotografia não é o de uma progressão» e nada confirma as teses de «uma evolução teleológica que iria de um realismo mais ou menos ingénuo para uma espécie de meta-fotografia que acabaria por absorver a fotografia nas artes plásticas» (idem). 

No entanto, é esse tipo de discurso, banalizado por certa crítica que serve de caução à ignorância de muitos fotógrafos e ao regresso actual a novas (?) modalidades de «fotografia artística» e de maneirismo conceptual ou picturialista, o que impera na rede internacional dos Encontros de fotografia e se manifesta, em Braga, na generalidade das exposições, conferências (como as de Manuel Vilariño e Michael Kohler, no dia 9) ou textos de catálogo. Um exemplo apenas dos múltiplos erros em circulação, colhido na apresentação destes Encontros: «É sabido que apenas a partir dos finais da década de 70 a fotografia, enquanto projecto artístico, começa a ter, em Portugal, um corpo regular de criadores» (a afirmação tem, pelo menos, um século de atraso).


PARA além de comprovar a ineficácia da ideia de uma progressão temporal da fotografia equiparada à lógica da sucessão dos estilos e das rupturas das artes plásticas (o que não significa ignorar a evolução de problemáticas, dos modos de circulação e de recepção, e, em especial, os progressos técnicos), a obra de Kertész é também excepcional na relação que estabelece com a ideia de estilo em fotografia. Sucede, de facto, que a caracterização da sua produção levanta o exemplar problema da impossibilidade de definir facilmente uma «maneira» pessoal, uma linguagem, uma autoridade feita de uma estratégia conceptual ou formal estabelecida — e é a busca imediata dessa facilidade, a coberto de uma qualquer «vontade de arte» ou «projecto artístico», que caracteriza a maior parte da fotografia que se expõe na nova modalidade de salões de arte fotográfica que são a generalidade dos Encontros. 

Como sintetiza Jean-Claude Lemagny, repetindo muitos outros observadores precedentes, «a obra de Kertész parece recusar-se a dar oportunidade à análise crítica porque ela não deixa isolar nenhum acento dominante que permita a fixação dos comentadores» (Ma France, pág. 105). E Kertész é um fotógrafo maior precisamente porque o contacto imediato que estabelecemos com as suas imagens, graças a uma relação sempre disperta e calorosa com o mundo, que é descoberta pessoal e comunicabilidade, se prolonga nessa dificuldade de abordagem do discurso crítico, incapaz de arrumar a sua fotografia na gaveta de uma escola ou fórmula ou período.

Num terceiro nível, a exposição Kertesz é ainda exemplar. Ela vem dar conta de um entendimento da fotografia que se consolidou já na sua dimensão patrimonial e museológica, através de estruturas oficiais que a conservam, estudam, expõem e põem em circulação. A França está actualmente na dianteira dessa actividade, ao cabo de uma década de sólidos investimentos públicos, e faz dela uma das armas mais poderosas da sua representação cultural no exterior. Em Portugal, todos os esforços se concentram ainda numa actividade efémera de divulgação, permanentemente recomeçada e incapaz de estruturar bases sólidas de investigação e difusão, tanto a nível público como de iniciativa local ou associativa. Parece que, em Braga, a Câmara já aprovou a instalação de um museu da fotografia que dê uma nova consistência ao esforço de divulgação empreendido pelos encontros — aguarda-se que a concretização dessa promessa pioneira sobreviva ao ano de eleições.



 

sábado, 3 de abril de 1993

1993, Paris, "Beyrouth, centre-ville", Martin Parr: "Bored Couples"

 «Ruínas de Beirute... ócios britânicos», Paris 

03 Abr. Actual


Robert Frank regressou à reportagem para fotografar o centro arruinado de Beirute, na companhia do francês Raymond Depardon, do italiano Gabriele Basilico, do suiço René Burri, do checo Josef Koudelka e do libanês Fouad Elkoury

Quem juntou a  mais improvável equipa de fotojornalistas foi a Fundação Hariri, tutelada pelo milionário chefe do governo libanês, Rafic Hariri, e o primeiro resultado da operação visita-se em Paris no Palais de Tokyo (até dia 12) e folheia-se na luxuosa edição de Beyrouth, centre-ville (ed. du Cyprès, 490 FF). 


Confinados a cerca de um quilómetro quadrado de ruas destruídas e edifícios esventrados, apenas habitado por uns quantos milhares de «skatters» mantidos à distância, eles tiveram cerca de vinte dias para fazerem o último registo de uma cidade martirizada por sucessivas guerras entre 1975 e 1990. Burri e Depardon fixaram a paisagem monótona a cores, o segundo com uma câmara de grande formato, Koudelka explorou o terreno com imagens panorâmicas que percorrem a monumentalidade arruinada das construções, Basilico e Elkoury são rigorosamente documentais, e Frank, com fotografias muito diversas, voltou à construção de imagens fragmentadas e narrativas, isolando por vezes um pormenor mais íntimo sobre a sua própria passagem por um cenário de fantasmas. 

Apesar de todo o dramatismo inevitável desse último registo de uma cidade destruída, o trabalho ressente-se das condições absurdas da encomenda, enquanto se manifestam dúvidas fundadas sobre a intenção mais obscura desta missão fotográfica. É uma gigantesca operação de reconstrução que se anuncia, já amplamente denunciada como uma manobra de especulação fundiária e de «manhattanização» do centro histórico de Beirute.  


Nos 2000 metros quadrados de área de exposição do Centre National de la Photographie estão igualmente Martin Chambi, fotógrafo dos Andes apresentado através de duas colecções paralelas e por vezes coincidentes, e também uma retrospectiva do inglês Don McCullin (n. 1935, Londres), além de uma evocação do francês Daniel Boudinet, recentemente falecido, retratista de intelectuais e autor de ensaios sobre cenários arquitectónicos que Roland Barthes prefaciou, este apresentado pela Mission du Patrimoine Photographique, herdeira do seu espólio.


McCullin é um notável foto-reporter, que cobriu primeiro para «The Observer» e depois para o «Sunday Times» (até à chegada de Murdoch) quase todas as guerras do planeta nos anos 60 e 70, com passagem sucessivas por Beirute. A retrospectiva da sua obra, um dos libelos mais firmes sobre o horror e o absurdo, foi precedida pela publicação de uma autobiografia (Unreasonable Behaviour, Jonathan Cape, Londres, 1990) e de uma larga antologia de 35 anos de imagens, no mesmo editor, enquanto em Paris foi objecto de uma monografia na colecção «Photo Poche», com textos do próprio autor. Na mesma colecção já se seguiu outro volume dedicado a Dieter Appelt, com introdução de Michel Frizot (50 FF).


Entretanto, a política oficial de apoio à fotografia, um dos sectores em que a acção de Jack Lang se traduziu em resultados reconhecidos (e deu também lugar a uma decidida concorrência da parte de Jacques Chirac e da Câmara de Paris, que promovem o «Mois de la Photo» e se preparam para inaugurar a Maison Européenne de la Photographie), é o tema de um livro de síntese intitulado Photographie, editado pela Documentation Française numa série intitulada «État et Culture« (75 FF; outros volumes foram dedicados aos museus, à música, ao património, ao livro e ao cinema). Um album paralelo, de mais ostensiva ambição pré-eleitoral, faz o balanço ilustrado da década socialista na área da fotografia numa colecção ("Enjeux-Culture") da Reúnion des Musées de France (450 FF).


Fora do domínio oficial, algumas exposições em galerias permitem, também em Paris, acompanhar itinerários que já foram parcialmente apresentados  em Portugal. 

Bernard Faucon, cujo trabalho se tem seguido na Módulo, em Lisboa e Porto, apresenta uma nova série de fotografias na Galeria Yvon Lambert (até dia 6), onde continua a ocupar-se da paisagem, encenando-a como lugar metafórico de sentimentos ou de ficções. Depois de a ter transformado por efeito de colorizações parciais — com rios de sangue, por exemplo —, Faucon utiliza em Les Écritures, de 1991-92 (com livro-catálogo), a paisagem deserta como suporte de frase mais ou menos poéticas («À quoi ça ressemble la fin du désir», na foto) que são recortadas e sustentadas sobre estacas, por vezes visíveis. É um trabalho maneirista desenvolvido com um extremo rigor, sem trucagens laboratoriais.  

Pierre et Gilles, na Galerie Samia Saouma (até 30), acrescentam mais alguns retratos encenados a um universo kitsch e de inspiração gay em que se integram a si próprios travestidos como um casal de noivos.


Com outra exposição parisiense, do inglês Martin Parr, na Galerie du Jour de Agnès B., regressava-se à foto-reportagem, ampliando os recursos e a surpresa permanente do «género». Fotógrafo da agência Magnum, Parr expunha L'Ennui à Deux/Bored Couples (com catálogo), prosseguindo a construção de um retrato crítico da sociedade inglesa, na sequência, nomeadamente, de The Cost of Leaving (Cornerhouse, Manchester, 1989), One Day Trip (ed. Différence e Centre Régional de la Photographie Nord Pas-de-Calais, 1989), integrado na série de encomendas feitas pela Mission Photographique Transmanche com vista a documentar a realidade social alterada pela construção do túnel sob o canal da Mancha, e, mais recentemente, Signs of Times — a portrait of the nation's tastes (Cornerhouse, 1992), publicado em paralelo com a realização de uma série da BBC com produção e texto de Nicholas Barker sobre as decorações dos interiores domésticos britânicos.


Usando a cor e o humor, o formato 6 x 7 cm e o flash com luz diurna, em enquadramentos instáveis onde personagens e cenários são igualmente decisivos, Martin Parr é o reporter de uma «middle class» (ou «confortable class», como ele prefere) que se afadiga no consumismo e nos lazeres. Herdeiro de Tony Ray-Jones na capacidade de surpreender a coreografia das situações — e contemporâneo de outros notáveis fotógrafos britânicos como John Davies, Kris Killip, Graham Smith ou Nick Waplington —, Martin Parr é um dos poucos que sabe evitar a caricatura e o estereótipo ao fazer um registo implacável da transformação recente da sociedade britânica que renova a tradição da fotografia documental. 



1993, Frank Thiel na Módulo, Fontcuberta na Gal. Pedro Oliveira

FRANK THIEL, Módulo, Lisboa

JOAN FONTCUBERTA, Gal. Pedro Oliveira, Porto 

“Documentos”

EXPRESSO/Cartaz 03.04.1993, pag.17



Apenas a sequência das inaugurações permite que se aproximem num comentário único estas duas exposições. Ou o interesse de ambas, sobre diversíssimas bases. Ou, ainda, a possibilidade de serem tomadas como exemplos da vastidão do continente fotográfico.

Frank Thiel é um jovem alemão, nascido a Leste (em 1966) e passado a Ocidente antes da queda do muro. Com uma história dramática de um ano de prisão no fim da adolescência e uma libertação a troco de dinheiro, no contingente das «vendas» anuais feitas pelas autoridades ditas socialistas. Vive em Berlim desde 1985, onde fez estudos de fotografia; ganhou em 1990 o prémio da Kodak alemã e nesse ano expôs, por isso, em Arles. A primeira individual data de 1991, em Berlim, e logo no ano seguinte integrou uma importante mostra colectiva alemã que circulou em Espanha, «Einsamkeit, un sentimiento aleman», ao lado de Bernd & Hilla Becher, Jochen Gerz, Thomas Ruff e Roland Fischer (exp. comissariada por Rosa Olivares — Tarazona Foto 1992, Zaragoza; «La Caixa», Madrid e Barcelona; Palma de Maiorca). No próximo ano, participará numa colectiva de fotografia a apresentar por Lisboa'94 no CCB («Depois de Amanhã»).

A Módulo mostra fotografias de 89 e 90 pertencentes a duas séries, «Potsdam» e «Muro de Berlim». Sempre em preto e branco e de pequeno formato, resultam da impressão simultânea de dois disparos sequenciais (dois negativos contíguos) — é sempre de um falso díptico que se trata, de uma imagem panorâmica feita de pontos de vista distintos, mas aproximados, e não de uma colagem ou associação de fotografias. As provas conservam as «janelas» do negativo e servem-se de sumptuosos processos de impressão que sugerem uma velatura prévia do papel e criam halos em torno dos objectos, diminuindo os brancos mas conservando uma grande riqueza de pormenor nos negros. 

Outras séries conhecidas de catálogos — uma sequência de 24 soldados do regimento Friedrich Engels ou imagens de monumentos da ex-RDA — são impressas em grande formato, 215 cm, e mantêm a construção com dois (ou mesmo quatro) negativos, mas Frank Thiel sabe usar igualmente a cor e os planos únicos em fotografias das torres de vigia do muro de Berlim ou de portões fechados. Excepto nessas fotos a cor, associáveis mais directamente à mais recente vaga da nova objectividade alemã, pós-conceptual e «fria» (Ruff, Struth, etc), os trabalhos de Frank Thiel instalam no registo informativo uma deliberada ambiguidade. 

A suas fotografias constituem um olhar pessoal sobre um cenário em transformação, claramente estruturado por uma memória que parece quer reencontrar no presente a realidade essencial de um tempo já ultrapassado, como se Frank Thiel buscasse na ex-RDA as fotografias que não fez antes. O rigor da informação passa por um modo de olhar que relativiza o carácter imediato do registo através dos sinais de um código próprio e de uma prática de laboratório tornada evidente.

O seu trabalho é sempre documental, mas afasta-se deliberadamente do fotojornalismo que se exerce como crença ingénua na verdade das provas. O testemunho sobre a realidade social alemã é imediatamente marcado por um efeito de distanciamento introduzido pela composição dupla da imagem e por um modo de impressão que torna fantomáticas todas as existências: as janelas abertas na prova denunciam a vigilância e o cepticismo de um olhar ainda clandestino, enquanto o falso díptico se deixa interpretar como a herança profunda de uma Alemanha dividida. 

Joan Fontcuberta é um catalão (n. 1955, Barcelona) já com duas décadas de carreira, apresentado pela primeira vez entre nós nos Encontros de Coimbra de 1986. Objecto de uma intensa circulação internacional, inclusivamente americana (MoMA, 1988), teve uma importante mostra antológica organizada pelo IVAM (Valência) em Novembro de 1992, acompanhada por um catálogo que reune as suas séries desde Herbarium, nas quais se aprofunda um trabalho de pesquisa sobre a «verdade» da fotografia e sobre a natureza do medium.

Naquela série, Fontcuberta fazia uma homenagem irónica a Karl Blossfeldt, substituindo as plantas e flores das suas fotografias históricas por criações fantasistas, mas mantendo a mesma aparência de objectividade. Depois, levou mais longe a denúncia da confiança ingénua na fotografia numa série seguinte, Fauna, realizada de parceria com Pere Formiguera, que consistiu na simulação de documentos fotográficos (e também de textos, desenhos, radiografias, etc) idênticos aos usados pelos investigadores de ciências naturais. A sua obra posterior manteve a mesma relação irónica com o uso informativo da fotografia, ao mesmo tempo que se constituia num inventário de experiências (científicas?) sobre as possibilidades do medium fotográfico; em Frottogrames os negativos foram sujeitos a fragmentações, raspagens sobre os objectos fotografados e remontagens, de que resultou um renovado picturialismo.

Os trabalhos mostrados no Porto («Palimpsestos», 1989-92) integram-se nesse itinerário de experimentação de atelier e laboratório, retomando a técnica do fotograma (fixação de contornos e sombras por contacto directo dos objectos com a película fotográfica), mas utilizando suportes já previamente impressos: ilustrações e materiais publicitários, papel de parede, tecidos estampados, puzzles, etc. Na origem da série estão os interiores kitsch de hotéis americanos. As composições articulam-se por vezes em grandes dípticos ou trípticos, reunindo superfícies impressionadas sobre tela, em geral por plantas e flores, com tecidos decorativos originais e sem intervenção. Ao mesmo tempo que os objectos criados parecem colocar-se por inteiro no terreno sem fronteiras da pintura, numa estratégia de apropriação neo-conceptual, Fontcuberta mantém processos de trabalho rigorosamente fotográficos e dá sequência à sua pesquisa experimental sobre a relação entre a natureza e a sua represtação.

É no entendimento do seu trabalho anterior que assenta a recepção possível dos seus novos trabalhos, directamente ameaçados pela estratégia decorativa que aí se interroga e pelo kitsch dos materiais que utiliza como suporte.

sábado, 13 de março de 1993

Beaumont Newhall (1908-1993)

«Beaumont Newhall (1908-1993)» 


 EXPRESSO/Cartaz de 13 Março 1993, Actual, p. 2


Beaumont Newhall, o pioneiro da divulgação moderna da fotografia, morreu no dia 28 de Fevereiro, na sua casa de Santa Fé. Nascera a 22 de Junho de 1908 em Lynn, Massachusetts, e foi o fundador, a convite de Alfred H. Barr, em 1940, do departamento de fotografia do MoMA, que dirigiu até 1947. 

Diplomado em História da Arte em Harvard e em arte e arqueologia em Paris, em 1933, entrara para o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque em 1935, como bibliotecário, e dois anos depois foi o responsável pela exposição "Photography 1939-1937", cujo catálogo se iria tornar no clássico da história de fotografia (The History of Photography, cinco vezes revista até à última edição de 1982). Tal exposição integrara-se na série das quatro grandes mostras — com "Cubism and Abstract Art", "Fantastic Art, Dada and Surrealism", e "Bauhaus: 1919-1928" — que entre 36 e 38 estabeleceram o paradigma da entrada da modernidade no museu (e a da fotografia como um dos seus ramos). 

Abordada à margem da velha questão do seu estatuto entre as Belas-Artes, bem como da oposição entre os seus usos e as artes plásticas (mas com um olhar de historiador de arte), a fotografia é então considerada tanto como um meio de expressão como de comunicação, catalogada com base na evolução dos seus processos técnicos e avaliada pelas qualidades consideradas intrínsecas ao seu "medium" próprio, fundando-se assim a possibilidade da sua história e crítica. 

Em 1947, B.N. é substituido no MoMA por Edward Steichen, no termo de um diferendo subterrâneo em que o seu culto da "arte da fotografia" se contrapunha aos interesses imediatos da indústria fotográfica e da grande massa de amadores (a Steichen sucederia John Szarkowski em 1962, reaproximando o departamento da orientação de Newhall, e depois Peter Galassi em 1992). 

Mas logo no ano seguinte B. Newhall podia continuar o seu trabalho como comissário do George Eastman House, de  Rochester, de que foi, também, o primeiro director  entre 1958 e 1971, ocupando mais tarde um lugar de professor na Universidade do Novo México. Foi entretanto autor de uma extensa bibliografia (mais de 600 artigos, ensaios e textos de catálogos), e nomeadamente de Photography: Essays and Images, Latent Image. The Discovery of Photography, Masters of Photography (com Nancy Newhall), etc.

Defendendo sempre o uso directo da câmara para "a revelação, interpretação e descoberta do mundo do homem e da natureza", Newhall mostrar-se-ía pouco interessado em algumas orientações das últimas décadas, por se afastarem do que entendia ser a especificidade do "medium" e surgirem como formas de narração e ilustração ou mais próximas das arte dramáticas. Temas que as suas memórias, a publicar no próximo Verão (Belfish Press), darão certamente novos contributos.