terça-feira, 23 de junho de 1998

1998

O CPF na TT, a Fototeca do Palácio Foz para o AFL? (1998)

No processo longo e polémico de criação do Centro Português de Fotografia, enquanto instituto autónomo, que se sedeou no Porto e na Cadeia da Relação, inclui-se a transferência da Fototeca do Palácio Foz, mantida por Avelino Soares em diferentes quadros institucionais. Falava-se então, com a megalomania do personagem Carrilho, na construção (prevista para 2001!) de um edifício anexo à Torre do Tombo que iria acolher o chamado Arquivo Fotográfico de Lisboa (AFL) – não confundir com o Arquivo Municipal de Fotografia.

A transferência das colecções da Fototeca para a TT terá começado em Janeiro de 1999, indica-se nas notícias abaixo, e parte dos "quase quatro milhões de fotografias no Palácio da Ajuda (ex-Arquivo Nacional de Fotografia)" ter-se-iam (em grande parte?) mantido no âmbito do então Instituto Português de Museus, como Divisão de Fotografia. E aqui se fala também de "documentação dos serviços de propaganda e informação de Salazar, depositada, em parte, num armazém em Queluz", que teriam integrado a TT.

A ideia (que acho peregrina) de criar no Palácio Foz, em pleno Rossio, uma entidade dedicada a estudar regimes autoritários foi o pretexto para o António Henriques continuar a investigar os casos da Fototeca e do CPF. Por mim, estava praticamente impedido de escrever sobre política cultural, ameaçado pelas manobras persecutórias do personagem MMC.

1 – "Fotografia na Torre do Tombo"
Expresso Actual de 06-11-98, por António Henriques
O património do Palácio Foz vai ser dividido por três instituições
O ARQUIVO Fotográfico de Lisboa, serviço regional do Centro Português de Fotografia (CPF), vai ser construído de raiz em terrenos anexos ao edifício da Torre do Tombo, prevendo-se que esteja finalizado em 2001. O novo edifício, para o qual será lançado um concurso de ideias no próximo ano, vai receber os espólios fotográficos depositados na Fototeca do Palácio Foz, bem como a fotografia histórica que se encontra no Palácio da Ajuda, ocupando o antigo laboratório de Física do Rei D.Carlos.

 As decisões sobre o património fotográfico da capital, anunciadas esta semana em conferência de Imprensa pelo ministro da Cultura, são vistas como «o termo de uma situação caótica e constituem uma visão integradora» tendo em vista a unidade de espólios num só espaço, segundo afirmou o governante. O director da Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Bernardo Vasconcelos, disse na mesma ocasião que a solução encontrada permite reaproximar todo o espólio do jornal «O Século», cuja parte de arquivo e biblioteca já se encontra na Torre do Tombo, mas cuja iconografia está no Palácio Foz. «Tomámos uma decisão inatacável do ponto de vista técnico», referiu. Recorde-se que o espólio de «O Século» é dos mais significativos em termos de documentação do século XX português, tendo sido resgatado do esquecimento por técnicos da Fototeca, entre 1988 e 1989 – juntamente com imagens de «O Século Ilustrado» e outras do foto-repórter Joshua Benoliel, tendo estas ilustrado as revistas nacionais de referência no começo do século. Prevê-se que a transferência de espólios da Fototeca para a Torre do Tombo (que disponibiliza instalações provisórias para a documentação) se faça nos primeiros dois meses de 1999, altura em que o serviço público de consulta que vinha sendo assegurado no Palácio Foz será interrompido.

 O destino a dar ao restante espólio não fotográfico depositado no Palácio Foz – uma hemeroteca com jornais impressos no país durante grande parte deste século, revistas especializadas em Comunicação Social e o «Diário da República» e ainda uma biblioteca com vários núcleos valiosos – pode passar pela incorporação na Torre do Tombo ou na Biblioteca Nacional, depois de uma avaliação. Este espólio, de inegável importância, foi desvalorizado na conferência de Imprensa, ao ser considerado «residual», tal como a documentação do Secretariado de Propaganda Nacional/ Secretariado Nacional de Informação, que esteve 30 anos abandonada num depósito do Estado em Queluz.

 O novo figurino desenhado para o Arquivo Fotográfico de Lisboa prevê a incorporação inicial de quase quatro milhões de espécies fotográficas. Destas, três milhões e meio têm origem no chamado Arquivo Nacional de Fotografia, sedeado no Palácio da Ajuda – trata-se de uma estimativa, uma vez que nunca foi feito um inventário do património existente, como confirmou Teresa Siza, directora do CPF, em entrevista recente ao EXPRESSO. As restantes espécies (306 mil) provêm da Fototeca, sendo que quase dois terços são imagens de «O Século». A opção pela construção de um novo edifício (orçado em 800 mil contos, vindos do Ministério da Cultura), coloca de lado a única proposta que, desde 1992, foi formalmente apresentada como solução para tornar acessível ao público todo o espólio depositado no Palácio Foz. Da responsabilidade do técnico Avelino Soares, que liderou, até agora a Fototeca, a proposta defendia a manutenção conjunta de todo o espólio no Palácio, uma vez que aquele constitui uma memória colectiva extraordinária do século XX português – o objectivo era criar ali um polo de atracção cultural capaz de dinamizar a actividade no Palácio lisboeta. Esta solução, formalizada com o nome de «Centro de Imagem», chegou a ser inscrita como departamento no projecto de Decreto-Lei do Instituto de Comunicação Social – quando a tutela do espólio não era, ainda, do MC – mas não passou de intenção. O técnico Avelino Soares produziu, desde 1981, nove documentos diferentes sobre a situação da Fototeca, alguns a pedido das tutelas, mas só três tiveram despacho e sempre sobre questões laterais.

O EXPRESSO questionou o ministro da Cultura sobre o futuro dos trabalhadores da Fototeca, mas Manuel Carrilho, mostrando-se surpreendido por tal questão interessar ao jornal, afirmou que a mesma não tinha «relevância» para ser analisada no contexto da conferência de Imprensa." ANTÓNIO HENRIQUES

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Sobre o mesmo tema, AH publicou a 21 Nov. de 98 uma "Tribuna" intitulada:

"O palácio adiado"

O ANÚNCIO da construção de um edifício para o Arquivo Fotográfico de Lisboa pode ser visto como uma indiscutível boa notícia para a Fotografia. A nova sede, a ser criada mesmo ao lado da Torre do Tombo, deve reunir o património fotográfico depositado na Fototeca do Palácio Foz e o imenso e ainda desconhecido acervo guardado em minúsculas instalações do Palácio da Ajuda (calculado em três milhões e meio de imagens).
Pela primeira vez, prevê-se que a Fotografia da capital possa ser preservada nas melhores condições técnicas, inventariada e consultada por investigadores e público em geral, ao mesmo tempo que se põe termo à insustentável situação de um serviço que existia sem estatuto legal e cujas obrigações nunca foram definidas – o Arquivo Nacional de Fotografia.
O Ministério da Cultura justifica a decisão pela necessidade de «'unificar' imagens dispersas e de reaproximar o espólio do jornal 'O Século'» – a reportagem fotográfica, actualmente na Fototeca, e o arquivo e biblioteca do jornal, na Torre do Tombo, passam a estar muito próximos fisicamente.
Neste segundo caso, prevalece um princípio arquivístico que diz que os fundos não devem ser desmembrados, antes se deve procurar a sua unificação e, por isso, Bernardo Vasconcelos, director do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, classificou como «inatacável» a solução anunciada para a Fotografia.
Esqueceu-se, no entanto, de dizer que o mesmo princípio pode ser aplicado ao conjunto do património cultural do Palácio Foz, do qual a Fototeca é o sector mais significativo, mas está longe de ser o único: há uma biblioteca que inclui um dos núcleos mais valiosos do país (a Livraria Duarte de Sousa, com 2500 obras do século XV ao século XX), que tem 18 mil volumes de História Política, Literatura e Comunicação Social, mais de 1200 livros e 700 cartazes do Secretariado Nacional de Informação (SNI – criado em 1933, ainda com outro nome, e que António Ferro diligentemente dirigiu como centro da «política do espírito» de Salazar), um núcleo com 26 mil obras reunidas ao abrigo do depósito legal e, ainda, uma hemeroteca com grande parte dos jornais portugueses.
Olhando este património como um todo, a transferência da Fototeca constitui um desmembramento de espólios, deslocada do contexto onde parte significativa foi produzida – o Palácio Foz, como centro de propaganda e informação do Estado Novo. Desse ponto de vista, a manutenção do património do Palácio Foz é tão inatacável quanto a decisão tomada." (…)

2 – "Uma fundação para o Palácio Foz"
Expresso Actual de 19 12 1998, por António Henriques (extracto)

"UMA PROPOSTA de criação de um núcleo de investigação e de divulgação sobre as estratégias de poder de regimes autoritários, com futura sede no Palácio Foz, em Lisboa, deverá ser entregue, em breve, ao ministro da Cultura. A iniciativa, que reuniu, esta semana, um grupo de cidadãos no Clube de Jornalistas – e à qual se associaram testemunhos escritos de personalidades que não puderam estar presentes – surge na sequência do anúncio governamental de constituição do Arquivo Fotográfico de Lisboa (AFL), em edifício a ser construído junto à Torre do Tombo. Com data prevista de conclusão para 2001, o novo imóvel vai receber vários espólios, incluindo as mais de 300 mil espécies fotográficas da Fototeca do Palácio Foz, um património fundamental para fazer a História do século XX português.

Sem pôr em causa a decisão de criar o AFL, os elementos deste movimento pretendem criar uma Fundação em que se reúnam todos os espólios que tenham a ver com as estratégias propagandísticas de regimes autoritários, com óbvio destaque para a documentação do Estado Novo. «Trata-se de constituir um património integrado independentemente do suporte (fotografia, livros, ou outra documentação) e de o fazer reanimando o Palácio Foz. A criação do AFL é importante, pelo que a nossa proposta é paralela à decisão do Ministério da Cultura», disse ao EXPRESSO o investigador e professor do ISCTE, José Rebelo, presente no encontro.
(…)
A ser aceite, a proposta obrigaria à reavaliação da documentação a transferir do Palácio Foz para o AFL, nomeadamente a que diz respeito ao estabelecimento e manutenção no poder do regime de Salazar e à possível transferência de espólios dispersos por várias entidades, sobre aquele tema, para o palácio dos Restauradores.
Segundo José Rebelo, a Fundação tem três grandes objectivos: encorajar a investigação e troca de informação sobre regimes autoritários, em geral, e sobre o salazarismo em particular (uma das prioridades é a ligação a instituições especializadas da Europa que se dedicam, precisamente, ao estudo dos regimes totalitários), divulgar essa investigação junto da população mais jovem (o historiador Vítor Viçoso, outro dos presentes no encontro, disse que «há uma amnésia entre os jovens relativamente ao Estado Novo») e abrir o Palácio Foz, onde estão sediados múltiplos organismos da administração estatal, ao público e aos investigadores – designadamente estudar o aproveitamento de uma sala de cinema desactivada, de uma biblioteca totalmente restaurada, mas fechada ao público desde 1991, e da chamada Sala dos Espelhos, um espaço ricamente decorado que, segundo José Rebelo, devia ser aproveitado para sessões de divulgação e exposições.
Outro dos pontos referidos no encontro prende-se com o espírito da Fundação a ser criada. «Prolongar o exemplo dado pela Fototeca», disse aquele investigador; «uma perspectiva não mercantilista de utilização dos arquivos», segundo o jornalista e escritor Fernando Dacosta, que se referia, igualmente, ao trabalho desenvolvido pela Fototeca do Palácio Foz. Andrade Moniz, professor da Universidade Nova de Lisboa, que não esteve no encontro, foi mais duro num depoimento escrito para a ocasião: «Tal medida centralizadora (transferência da Fototeca), prescindindo de um rico espaço próprio, identificado com a sede governamental da maioria da documentação recolhida e exposta (…) cria condições para uma eventual e lógica subalternização de tão rico património cultural.» Este investigador adianta ainda que o actual responsável da Fototeca, Avelino Soares, deveria continuar a gerir o espaço que criou e dinamizou. «Como já é costume ancestral entre os nossos governantes, a medida ignora e estrangula o aproveitamento de recursos humanos», diz, referindo-se ao afastamento daquele técnico do processo de transferência e da futura configuração do AFL.
O especialista de Fotografia António Sena, enviou um depoimento no mesmo sentido, ao falar da Fototeca: «Ao contrário de todos os outros Arquivos Fotográficos, fechados a sete chaves, com a sua organização disfarçada de burocracia, no Arquivo do Palácio Foz sempre se deu prioridade absoluta à divulgação de imagens e à sua organização, aberto a qualquer investigador e, apesar dos poucos meios disponíveis, com a generosidade de um responsável que nunca se cansou de proporcionar as melhores condições de trabalho.»
Estes depoimentos serão parte substancial de um texto a ser enviado ao ministro Manuel Maria Carrilho, antes do início da transferência da Fototeca para instalações provisórias na Torre do Tombo, prevista para Janeiro próximo. O futuro AFL vai receber, assim, o único serviço organizado e aberto ao público, não tendo ainda sido anunciado quando se fará o mesmo com os quase quatro milhões de fotografias no Palácio da Ajuda (ex-Arquivo Nacional de Fotografia) e quando irá começar a anunciada incorporação, na Torre do Tombo ou na Biblioteca Nacional, da documentação dos serviços de propaganda e informação de Salazar, depositada, em parte, num armazém em Queluz. ANTÓNIO HENRIQUES

Sobre o mm tema da Fundação e do Palácio Foz, o Rui Rocha respondeu com outra "Tribuna" a 24 12 98, intitulada  "A última morada"

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Ainda tenho o "Relatório sobre a Situação da Fototeca do Gabinete de Apoio à Imprensa – pelo responsável da Fototeca Avelino do Coração de Jesus Soares, técnico de 1ª classe – Lisboa, 22 de Fevereiro de 1994". Então Direcção-Geral da Comunicação Social.

Com o Espólio Iconográfico da Secção de Fotografia do Ex-SNI da DGD (1910-1983): 53.750 negativos; 24.010 zincogravuras; 12.399 diapositivos. O Espólio Iconográfico de "O Século" (1900-1976)… , o do "Diário Popular" (6 mil zincogravuras)… Em geral as provas em papel (albuns?, bolsas temáticas e onomásticas) não são referidas (desapareceram? ou não existiam antes de? )…

Quando queria e tinha confiança nos interessados, o Avelino Soares era muito eficaz. Julgo que foi ele o salvador do Arquivo e que foi maltratado no processo de transferência, anunciado em 1996 e concretizado depois de 1998, certamente em 1999. Falava-se à época em construir um edifício atrás da TT para sede do Centro Português de Fotografia… Também conservo umas folhas de "Mensagens" que ele ia afixando nas paredes e nos móveis. Uma folha da Susan Sontag e duas dele, por exemplo: "MENSAGEM: – As imagens são nacos de vida, pedaços da natureza seleccionados pela 'veduta' do fotógrafo ou pela 'visione' do artista; – Reproduzem fracções do 'χρονοσ' e, por vezes, a fruição de um "καιροσ" (…)" Era um personagem.

 

sábado, 5 de julho de 1997

1997, Serralves, Alternativa Zero

 EXPRESSO/Cartaz de 05-07-97 

"QUESTÕES ALTERNATIVAS"   

"Contribuição abertamente polémica para a discussão de uma exposição histórico-mitográfica. A «Alternativa Zero» como momento fundador da burocratização das vanguardas"

«Perspectiva: Alternativa Zero» (1)
Fundação de Serralves

«Reapresentar hoje a experiência da "Alternativa Zero" implica a reconsideração de um contexto fundador das raízes da contemporaneidade artística portuguesa, através da reflexão sobre a actividade crítica e curatorial que o combate ideológico de Ernesto de Sousa representa, ao concretizar uma exposição que reunia toda uma geração de ruptura que, desde finais da década de 60, vinha afirmando as suas propostas e ampliando-a no contexto possível que o pós-25 de Abril poderá ter permitido» — João Fermandes (catálogo).
É raro que um discurso que pretende ser história se revele com tal evidência um exercício de mitificação-mistificação. O próprio autor e comissário da exposição o terá sentido, já que inicia assim a frase seguinte: «Não se trata de mitologizar esta experiência...».

Palavras como fundação e raízes sempre serviram para construir ou legitimar mitos, e é uma certa ideia de «arte contemporânea», nascida de uma suposta ruptura com a «arte moderna» que teria ocorrido por volta de 1968, que se propõe como horizonte de actuação da nova direcção de Vicente Todoli e João Fernandes em Serralves.
É de 1969 que data a paradigmática exposição «Quando as atitudes se tornam forma», organizada por Harald Szeemann, em Berna, seguida em 1972 pela Documenta de Cassel que o mesmo comissariou e Ernesto de Sousa visitou; então convertido à «vanguarda», aí teve um encontro decisivo com Joseph Beuys <*>, vindo a organizar a «Alternativa Zero» em 1977.
Tinha sido antes crítico de arte ligado ao neo-realismo, crítico de cinema e cine-clubista, realizou o filme Dom Roberto em 1960-62, foi encenador teatral e animador-agitador em geral, depois artista multimédia e «operador estético», como preferia dizer.

Que significa «mitologizar» no museu os restos (em muitos casos reconstruídos para a ocasião) de uma exposição-acontecimento tão decididamente marcada pelas ideologias do tempo — o «espírito de 68» e a «desmaterialização da arte» —, quando nela se propunham não objectos e obras, mas atitudes, intenções, processos, acções no quotidiano e no «contexto», por definição efémeras?
Que sentido tem, hoje (ainda, ou de novo?), falar da «geração de ruptura» de finais dos anos 60, quando outra se lhe terá seguido nos inícios de 80 (à volta do «Depois do Modernismo») e mais uma se manifestaria nos começos de 90? Sem esquecer que outra já se afirmara no final dos 50, como tentou provar uma recente antologia da década de 60, sob o título «Anos de Ruptura».
Esta sucessão das «rupturas», ao constituir-se numa ziguezagueante continuidade (aceleração última da «tradição do novo», conforme a fórmula de Harold Rosenberg, já de 1960), não exigirá, pelo contrário, a desmistificação do conceito de ruptura e da visão da história como sucessão de gerações?

Repescando como raíz mítica o neovanguardismo de finais de 60, uma actual «vanguarda» plenamente oficializada enquanto poder (no Instituto de Arte Contemporânea, em Serralves e no CCB, nomeadamente através de Isabel Carlos, João Fernandes e Pedro Lapa) sustenta a sua política «geracional» — institucional por definição, burocrática por vocação crítica — gerindo uma alternância de vagas (de rupturas e de modas). Agora, através da fetichização museológica dos vestígios de uma prática artística que pretendia precisamente opor-se a tal destino, em nome do projecto de mudar o mundo.

Transformou-se a natureza do poder, ou completou-se a domesticação de atitudes que tiveram uma dimensão original de contestação globalizante, com sentido político, ético e estético? Ou terá sido o discurso vanguardista, sempre, embora sobre diferentes faces, a afirmação de uma ambição de poder?

Como comissário de exposições, Harald Szeemann defendeu «a transferência do interesse para o processo, deixando de considerar essencial o resultado» (o objecto). Valorizou as «atitudes artísticas» e o «gesto» como «assinatura e estilo» — viriam a seguir as «mitologias individuais», depois de desfeitas as utopias colectivas. Desconsiderou o objecto, as disciplinas e os géneros artísticos, tanto de tradição académica como de anti-tradição moderna. Contrapondo os artistas que descobria aos «fazedores de objectos», Szeemann exprimiu «o desejo de fazer explodir o "triângulo" tradicional da arte: atelier-galeria-museu» e associou a rejeição da realização formal (tradicional ou moderna), o anti-formalismo, a uma ideia de «antiforma social» que reconhecia em alguns comportamentos juvenis emergentes na década de 60.

Foi, em paralelo com a contestação política do tempo (a mobilização contra a guerra do Vietname, o terceiro mundismo, os esquerdismos, as revoltas estudantis), o período dos vários movimentos designados como pós-minimalismo e arte conceptual, processual ou «povera», «land», «body», etc...

Mas, de facto, ao contrário do que sucedera com as vanguardas do início do século, surgidas em oposição à Academia, a nova dinâmica vanguardista já podia contar com o apoio activo das instituições culturais: a tradição da ruptura ía-se tornando a vocação de um sistema burocrático nascido com a inclusão da cultura entre as competências do «Welfare State», sobre a dissolução do sistema académico e a demolição gradual de anteriores concepções de democratização da cultura.
À distância, observa-se que o museu, agora encomendador e promotor directo, e já não só depositário de objectos reconhecidos como património colectivo, passou a deter a primeira posição no mesmo «triângulo» criticado por Szeemann, enquanto a «antiforma social» serviu de legitimação autoritária à oficialização de um poder artístico voltado para a satisfação exclusiva de alguns produtores e do seu «público especializado».

A «Alternativa Zero» deverá ver-se como repercussão nacional dessa dinâmica, com inevitável atraso — embora fosse já mais a síntese de um processo do que um manifesto inaugural. Muito mais alternativo, no entanto, também por volta de 1977, seria o discreto retomar da pintura por António Dacosta...

Em Portugal, o mesmo movimento de institucionalização das neovanguardas decorre acelaradamente após o 25 de Abril, mas, em 1977, as esperanças revolucionárias já tinham ficado para trás. A crise petrolífera de 73 abalara o sistema galerístico antes de se repercutirem no mercado e na prática artística os efeitos de 74: é a um primeiro desinvestimento da produção «tradicional» (pintura e escultura), devido à crise económica, que se seguem as acções de animação revolucionária. (Algo de semelhante, com outra argumentação ideológica, ocorreu nesta década, por efeito da nova crise económica...)

De facto, a «Alternativa Zero» terá associado a algum experimentalismo cuja importância convirá reconhecer (permiti-lo-á a presente exposição?) as desilusões resultantes tanto da paralização do mercado de arte como da diluição de expectativas associadas à revolução. Desaparecidos os «consumidores» e o «povo», os objectos de arte e a agitação político-cultural pareciam deixar de ter destinatários. Recentrar a prática artística sobre si própria, sobre a «essência» e o conceito de arte, as suas convenções e anti-convenções, a atitude e a intenção do artista, seria a resposta «natural» nesse contexto. Uma resposta autista e rapidamente esgotada, como veio comprovar a breve prazo a vaga «pós-moderna».

Entretanto, importa ver que a «Alternativa Zero» já é o resultado de uma confluência da «vanguarda» com o activismo das instituições oficiais — é essencial que a exposição tenha decorrido na Galeria de Arte Moderna de Belém e com o directo empenhamento da Direcção-Geral de Acção Cultural, onde trabalharam artistas como João Vieira, Julião Sarmento, Fernando Calhau, Vitor Belém (também expositores).

Reapresentar hoje a «Alternativa Zero» em Serralves é, acima de tudo, celebrar o «contexto fundador» que tornou o nome do comissário das exposições mais importante que o dos artistas participantes, ou seja, o momento em que o «projecto» se impõe sobre as obras, a intenção sobre o resultado, a atitude sobre o objecto. É assinalar um passo decisivo, para que em Portugal, se viesse a impor, à margem do mercado particular e do sistema museológico, mas também com autonomia relativa face à instrumentalização política por parte dos governos, um aparelho cultural de Estado (sobre o modelo francês) identificado com o «mundo da arte», tido como seu representante e dominador da circulação artística. Um poder de tutela, crítico-administrativo, que, ao sabor das fases de crise ou expansão da conjuntura económica, e sob a aparência das «rupturas geracionais», faz alternar tacticamente não só os padrões críticos como as suas relações com o grande mercado privado, ora associando-se-lhe sem qualquer pudor (nos anos 80) ora condenando-o com vaga argumentação «políticamente correcta» (anos 90).

É um outro sistema académico que assim se reconstrói e, tal como sucedeu antes, é possível adivinhar que a criação artística mais significativa do presente lhe é em grande medida exterior.
Vinte anos é o tempo suficiente para que uma «geração» que não assistiu à «Alternativa Zero» possa transformar a sua memória em restos museológicos, reinjectáveis nesse outro mercado que é hoje a cultura oficial e a indústria estatal do espectáculo artístico.
NOTA:  Devido à data de fecho desta edição, mas cumprindo o primado das intenções sobre os resultados defendido pela «Alternativa Zero», este texto foi escrito antes da visita a exposição onde se recolhem as respectivas relíquias. Outros comentários se lhe seguirão. (2)

(1) Notícia de 05-04-1997 (Actual, pág 3) 

 
Novo programa para Serralves
A programação de Vicente Todolí como director artístico da Fundação de Serralves arranca já no início de Julho com uma exposição que tem o título ainda provisório «Perspectiva 'Alternativa Zero'», depois de antes ter sido designada como «Uma década de ruptura - Os anos 70 em Portugal».
Mais do que de uma abordagem retrospectiva de toda a década, tratar-se-á, de facto, de um projecto em torno da mostra colectiva que Ernesto de Sousa promoveu em 1977 na antiga Galeria de Belém e que teve como subtítulo «Tendências polémicas na arte portuguesa contemporânea». Aí se reuniram praticamente todos os artistas («operadores estéticos», dizia-se então) que trabalhavam em áreas ditas experimentais e conceptuais, num contexto que terá sido, contra as expectativas da época, mais uma oportunidade de balanço terminal do que um momento de ruptura inaugural, mas que tem vindo a ser reconsiderado na presente conjuntura, graças às oscilações cíclicas das «sensibilidades» artísticas e às suas pulsões revivalistas. (...)

sábado, 12 de abril de 1997

Mónica Machado, 1997, Forum Maia

 Expresso Cartaz 12-04-97, pp 14-15

"Memória e imaginário do objecto quotidiano"  <Uff!!> 
"Uma jovem escultora portuguesa de Paris, Mónica Machado, inventa a escultura-mosaico: o objecto comum e o lixo encontram uma nova vida"

Bienal Arte Jovem, Fórum Maia

 

MÓNICA Machado foi, até há pouco tempo, apenas o nome de uma artista portuguesa de formação parisiense que se sabia ter sido premiada no Salon de Montrouge (um «salão» anual de jovens artistas na periferia de Paris) e feito uma primeira exposição com apresentação de Yves Michaud (filósofo e crítico, director da Escola Superior de Belas Artes de Paris, onde M.M. se diplomou em 92 e de onde ele se demitiu em 95).
Depois, a uma pouco vista 2ª Bienal da AIP, em Outubro, em Santa Maria da Feira, Mónica Machado trouxe duas obras, um grande e inquietante carrinho de bebé — Le Landau (Salomé Dolores) — e um corpo feminino que se abria no desvendar do seu interior — O Ovo (Petite Anatomie du Désir). Nos seus barrocos revestimentos de cerâmica e na montagem obsessiva de objectos e fragmentos, animados com movimentos mecânicos, som e luz própria, eram sedutoras e repulsivas «máquinas delirantes», insólitas esculturas de invenção original e carregadas de memórias artísticas.
A emoção dessa descoberta, proporcionada pela selecção do crítico Carlos França, levou a apontá-la aqui como a mais forte revelação de 1996.


Agora, numa outra bienal descentralizada que o Forum Maia dedica à «Arte Jovem», Mónica Machado faz reencontrar a sensação de perturbada estranheza que provoca o confrontro raro com uma obra independente da ilustração disciplinada de qualquer gosto tido por actual ou das «reflexões» que sazonalmente se substituem sobre despudoradas faltas de memória e de ambição — uma obra que é ao mesmo tempo divertida e inquietante, íntima e directamente comunicativa.

Três novas peças a juntar às duas já expostas (e às ilustrações de catálogo de uma individual de 1994, entretanto conhecidas) atribuem a esta presença, outra vez proposta por Carlos França - num diálogo muito estimulante com Sílvia Hestnes Ferreira, Fátima Mendonça e Rui Serra -, o lugar das obras que subvertem as hierarquias estabelecidas.

Mónica Machado tem, graças ao uso do mosaico e em especial do azulejo, partido e usado como revestimento de objectos ou como imagem e escrita, uma surpreendente ligação a tradições portuguesas (mas também a Gaudí e a outros visionários mais marginais). Por outro lado, revisita de modo original situações poéticas de utilização de objectos vulgares, imaginários quotidianos e surreais, práticas da acumulação e da «assemblage», com a energia de quem as comenta  através de um inventário sentimental mas irónico da vida própria.

O objecto de consumo corrente impera na escultura actual. É em geral sujeito a exercícios de disposição (instalação) que lhe confere ora a existência glacial dos alinhamentos nos espaços comerciais, ora a montagem arbitrária do quotidiano. O objecto tal e qual, pós-dadaista por definição, autoriza sempre a atribuição da vontade de ironia ou de crítica, ou é, noutros casos, seguindo as estratégias do incomunicável ou indizível, um «objecto ansioso» (Harold Rosemberg) que reclama do espectador o reconhecimento como obra de arte, se o lugar de exposição desde logo o não garante como tal.

Mónica Machado não circula por aí, vai mais atrás e mais fundo na memória e no imaginário do espectador. Colecciona objectos dentro de objectos, remonta-os e subverte-os por uma prática subtil de "bricollage", «utiliza os recursos do fragmento para produzir uma poesia da miniatura e da associação de ideias» (Y. Michaud), num jogo «ao mesmo tempo erudito e ingénuo» (idem) de «mise en abîme» que usa a forma adquirida da caixa-relicário para a perturbar com um sentido das metamorfoses.

Em L'Imbrication de valises (en carton), de 1994-97, sobre uma estrutura metálica móvel, uma das malas de cartão recobertas de mosaico contém a maquete exacta da sua morada parisiense, retomando o exemplo das casas de bonecas, enquanto outros recantos, janelas e gavetas (dotadas de iluminação local) podem recolher, escritos em fragmentos de azulejo, anúncios de casas recortados de jornal, incluir uma colagem-mosaico de medicamentos ou esconder um livro de fotografias pessoais. Uma longa «legenda» que deveria ter sido exposta orienta o espectador num desvendar das pregas desta escultura em episódios, que, com a chaminé e o espelho retrovisor, é o veículo-memória de um nómada.

Outra peça, A mala da tia Titi, é uma caixa de chapéu transformada em relicário, semelhante àquelas que se podem ver nos cemitérios portugueses, como diz a autora: uma vitrine mortuária referida a um parente preciso, que inclui fotografia, relíquias, louça, iluminação, e onde, como diz Y.M., o mosaico «imobiliza e petrifica o sentimento — ou cristaliza-o».

Em Ordures-Ménagère (morceaux choisis), 1996, em parceria com Gil Bensmana, o uso do lixo como material torna mais evidentes as possíveis relações com  as «Poubelle Menagère» de Arman ou os «tableaux-piège» de Spoerri, mas a regra formal do acaso, a ironia neo-dadaista e a composição pictural dão aqui lugar a uma calculada alteração da leitura dos dados imediatos. Os quadros-relevos de Niki de Saint-Phalle e as máquinas de Tinguely são, noutras obras, referências aproximáveis, mas, numa imprevista associação a tais poéticas, Michaud recorda também as caixas «à» Joseph Cornell e os objectos «à» Meret Oppenheim que se podem encontrar escondidas e miniaturizadas no interior das suas construções.
A enumeração dos materiais usados é extensa: «Caixote do lixo, pá, hélice, metal, resina, iluminação, louça, lixo: latas de conserva, ossos, ostras, cascas, espinhas de peixe, papéis, garrafas, etc...» O caixote eleva-se no ar como um foguetão, dotado de pequenas janelas circulares (lugares para outras surpresas), e o lixo jorra como um vómito, mas também como uma cornucópia, a partir de uma pequeníssima máscara oriental de boca escancarada, colocada num fundo a que a luz local confere uma aparência de braseiro-inferno — onde se verá ainda o resto de uma notícia sobre o terror do Ruanda...

"O meu trabalho consiste sempre em encenar objectos... recuperados através do quebrar e da justaposição, etc... para lhe conferir uma nova vida. onde todas as associações se tornam possíveis e o anacronismo se torna a regra do jogo.» Um jogo admirável.
(Nota: Aguarda-se ainda a publicação do catálogo para o comentário ao conjunto da bienal.)

sábado, 7 de dezembro de 1996

Fernando Calhau, 1996, ENTREVISTA (na criação do Instituto de Arte Contemporânea)

 


sábado, 15 de julho de 1995

1984, 1995, René Bertholo, índice

 René Bertholo 1984 -

1984 Abril
08 - «O jogo das memórias de René Bertholo», DN
14 - «René Bertholo: num quadro há milhões de histórias», entrevista, «Expresso Revista», 14-IV-84.
14 - «O regresso» (R. Bertholo e os outros), «Esta semana», crónica , DN

«René Bertholo», «Expresso Revista», 7-IV-84  e 21-IV-84.
«René Bertholo», «Expresso Revista», 23-IV-88 e 14-V-88.
«René Bertholo», «Expresso Revista», 23-V-92.

«Anos 60/Anos 90», «Expresso Cartaz», 13-VIII-94.

«Contramundos», «Expresso Cartaz», 15-VII-95. - #
«René Bertholo», «Expresso Cartaz», 17-II-96 e 9-III-96. - #
«A máquina de pintar», «Expresso – Cartaz», 14-XI-98. - #
«René Bertholo», «Expresso Cartaz», 17-X-98. - #

RENÉ BERTHOLO
Palácio Galveias - 17-02- 1996
Depois das últimas exposições no Porto, a pintura de R.B. volta a poder ver-se em Lisboa, por iniciativa da galeria Fernando Santos, numa situação em que a sua obra atravessa algumas renovadas direcções temáticas e construtivas, na sequência da passagem de Paris para o Algarve. Entretanto, é uma abordagem retrospectiva que continuará a aguardar-se, conhecida a originalidade com que a sua obra se inscreveu na corrente da figuração narrativa dos anos 60 e o sólido percurso posterior pelos objectos mecânicos e pelo «retorno» à pintura. Ainda que a sua produção se encontre disseminada por colecções de vários países, o que torna o projecto particularmente complexo para a preguiçosa rotina das instituições, há que pôr à prova a respectiva competência... e também o seu sentido das responsabilidades. 

09-03-1996
Em cada quadro há milhares de histórias, disse R.B. numa velha entrevista. O pintor não as «conta»: oferece-nos, pintura a pintura, a possibilidade de fazer de cada personagem, revisitado ou inédito (os «mal-educados», os marcianos, o coelho de Alice revisto por Dacosta,  a Abelha Maia a filha de Costa Pinheiro, os pássaros-aviões), de cada objecto ou lugar, «reais» ou inventados, o suporte de um jogo infindável de efabulações e reencontros. É um outro universo, de R.B. e nosso, que vamos ganhando, devorador de outros universos de fábula e de história, onde, por exemplo, o feijoeiro mágico é árvore da vida, coluna sem fim e pintura de motivos vegetais — natureza morta ou viva? — como há muito não se via. É de inventividade da pintura que se trata, e R.B., que fragmenta as composições com uma nova eficácia, que experimenta inéditas aplicações da cor (as «quadricomias») e a ampliação da escala das figuras, que retoma com outro fôlego alguns temas já experimentados («o quarto da Torre») e alarga a dimensão imaginária, surreal, da sua obra, está num momento particularmente feliz da sua pintura. A exposição, em últimos dias, reapresenta telas já expostas recentemente no Porto («Cartaz», 15-07-95) e acrescenta novas obras.

René Bertholo
Centro Cultural da Gandarinha, Cascais
17-10-1998
Pinturas recentes, de 1996-98 (e não «mais ou menos recentes», que tem outro sentido no texto de apresentação de Carlos França para o livro editado). A uma primeiro olhar poderia estar-se perante uma simples continuidade de trabalho, reconhecendo-se a retoma de soluções de composição experimentadas (a construção do quadro com dois, três, quatro ou mais espaços repetidos, com referência à estrutura da BD e também a Magritte) ou a presença de personagens e elementos figurativos «já vistos». De facto, a pintura de R.B. atravessa uma «fase» em que o aparente reciclar de materiais explode com uma imprevisível liberdade imaginativa, convocando todas as suas memórias para as reinvestir com mais energia e sentido do risco, no ensaiar de novas situações enigmaticamente narrativas (Malabarismos, O Diabo, a Pára-Quedista, Etc., Plantas Locais). O espaço cenográfico desaparece por completo, ao mesmo tempo que a escala dos personagens aumenta (por exemplo, A Heroína, herdada de O Capuchinho Vermelho?, de 94; Sem Sombra de Dúvida e Oh Céu de Agosto, afastando-se aqui da estratégia da acumulação e do horror ao vazio), ou que as construções em fragmentos sucessivos se interpenetram com uma crescente complexidade. Entretanto, é também a fórmula da «quadricomia» que é radicalizada, usando, no limite, apenas as cores azul e vermelho, numa prática da pintura que se diverte com a redução dos seus meios sem se autolimitar no poder de questionar o quotidiano com a irrupção do sonho. (Até 25)  

sábado, 3 de junho de 1995

1995, MÊS DA FOTOGRAFIA LISBOA (um mês em 1993): Lx 95

 

MÊS DA FOTOGRAFIA LISBOA (um mês em 1993)

Quando se anuncia a edição (anual) do PhotoEspaña que em 2007 é comemorativa do 10º aniversário e quando o LisboaPhoto (bienal) se interrompeu ao cabo de duas edições, é oportuno recordar que o Mês da Fotografia de 1993 (onde é que isso já vai...), que aconteceu em Lisboa e sob a direcção de Sergio Tréfaut, também ficara sem a anunciada continuidade (em 1995). Estamos sempre a começar... mal (à atenção de António Costa!).


Em 1995, assinalou-se assim a inconstância dos (i)responsáveis:

Tribuna - EXPRESSO/Cartaz de 03 Junho 1995

"Lx 95" 

EM 1993 as Festas de Lisboa foram também o Mês da Fotografia.
No respectivo catálogo, que foi impresso na Suíça, o vereador Vítor Costa, do Pelouro do Turismo, afirmava então que «numa perspectiva de diversificação e inovação, as Festas procuram lançar um acontecimento que se pretende venha a realizar-se no futuro com uma periodicidade bienal». Palavra de vereador.
Em 1995 não há Mês da Fotografia, tal como já se deixara cair em 1994 o programa de «Arte Pública». Era uma iniciativa polémica com grande visibilidade que tornava patente a dificuldade camarária de estabelecer com a arte — a intervenção dos artistas no espaço público, a escultura urbana e a decoração — uma relação que não fosse apenas efémera e instrumental.

A perspectiva da continuidade, que poderia consolidar este período das celebrações tradicionais dos Santos Populares numa dimensão inovadora de festival urbano de base social alargada, articulando diferentes modos de viver a cidade e a cultura (não apenas como estratégia de «animação»), foi sendo sacrificada à falta de memória que convém a cada circunstância. Afinal, 1993 era ano de eleições; em 1995 está-se apenas a meio do mandato. E foi por acaso — a vida cultural portuguesa vive de acasos e de boas vontades — que surgiu o programa da Associação Saldanha, «Mistérios de Lisboa, Monumental 95», a assegurar a necessária marca cosmopolita das Festas e a possibilidade de se enunciar outra nova «perspectiva de diversificação e inovação». Com a retórica sempre fácil dos políticos, Vítor Costa pode dizer dos festejos de 95 que «este programa procura compatibilizar o carácter efémero que caracteriza a Festa, momento de excepção por excelência, e a indispensável continuidade cultural»...

Sabe-se que na sua primeira e única edição o Mês da Fotografia surgiu marcado por um gigantismo de programação que veio a resultar em diversos incumprimentos de calendário e também em custos globais que excederam muito as previsões iniciais.
No entanto, o programa idealizado por Sérgio Tréfaut confirmou a eficácia da fotografia como terreno de cruzamento de inúmeros interesses, movimentou um público muito significativo e articulou à volta de um mesmo projecto uma rede de agentes que iam dos equipamentos estatais às galerias de arte privadas. Foi capaz de inaugurar o CCB com uma grande exposição de Sebastião Salgado e apresentou retrospectivas com uma qualidade pouco habitual entre nós, como as de Robert Doisneau e Tony Ray-Jones no Convento do Beato.
No final de 1994, o mesmo comissário apresentou à CML um novo projecto de programação, possivelmente com níveis de ambição e custos também excessivos para o orçamento municipal. Mas, em vez de negociar esse programa ou de impor outro modelo de organização, Vítor Costa optou por esquecer o que tinha escrito em 1993: «Estou certo de que o sucesso deste primeiro Mês da Fotografia criará as condições necessárias para a sua consagração.»

A questão da fotografia, porém, é apenas um sintoma muito particular numa gestão camarária em que o preço da balcanização é demasiado gritante. As «novas Festas» pretendem revestir-se de uma componente cultural, mas a sua organização depende exclusivamente do Pelouro do Turismo; com o Pelouro da Cultura a jogar noutro campeonato (qual?), o S. Luiz e o Maria Matos acolhem espectáculos diversos e abrem-se as portas do Teatro Taborda restaurado, mas as galerias da Câmara (o Palácio Galveias, a Mitra, a Sala do Risco...) e a Videoteca, a Casa Fernando Pessoa, etc, estão alheadas da programação, mesmo quando se encontrem em actividade.
Se é absurdo que as Festas de Lisboa não possam voltar, depois da experiência feliz da «capital cultural», a envolver em projectos comuns as instituições do poder central sediadas na cidade, ultrapassando-se a guerrilha entre Governo e oposição que a política partidária impõe, numa lógica primária de instrumentalização do aparelho de Estado, muito mais grave é a transferência para o interior de um mesmo executivo municipal dos mesmos jogos de pequena política.

sábado, 9 de abril de 1994

1994, 1995, 1996, Culturgest, Colecção CGD

 1994

25 jan – «A Máscara, a Mulher e a Morte: Resistências Poéticas» (arte belga) "Visões / ficções"

28 ? —Júlio Pomar, «Paraísos e Outras Histórias» (Lx 94)

1994 / 96 - ARTISTAS BELGAS 

GONZALEZ 

COBRA, 

WESSELMANN

NAM JUNE PAIK