terça-feira, 19 de junho de 2012

Fotografia em Moçambique, antes de 1970

em 2012

domingo, 29 de abril de 2012

Angola: monumentos coloniais

http://jornalcultura.sapo.ao/patrimonio-cultural/monumentos-coloniais-a-procura-dos-velhos-pedestais

Monumentos coloniais à procura dos velhos pedestais



Por ocasião do 18 de Abril, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios e no ano em que a Convenção da Unesco sobre a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural completa o seu quadragésimo aniversário, entregámos ao director do Instituto Nacional do Património Cultural, Ziva Domingos, algumas questões que aqui deixamos impressas para reflexão dos nossos leitores, principalmente ligadas à gestão do património herdado do colonialismo.

Entrevista ao director do Instituto Nacional do Património Cultural, INPC, Ziva Domingos

O tema proposto pelo ICOMOS (Conselho Internacional Dos Monumentos e dos Sítios) para comemorar o 18 de Abril, Dia Internacional dos  Monumentos e Sítios em 2012 é “40°Aniversário da Convenção do Património Mundial: Reconhecer os Desafios do Futuro”. Considerando que o património é o legado que recebemos do passado, vivemos no presente e transmitimos às futuras gerações, o que nos pode dizer sobre o destino a dar aos monumentos coloniais transladados para o Museu das Forças Armadas? Já se tem o inventário completo de todos esses monumentos e também sítios deixados pela Administração Colonial em Angola?

Ziva Domingos O verdadeiro destino a dar aos monumentos coloniais colocados do Museu das Forças Armadas dependerá da política do Executivo sobre a criação de um Museu de História de Angola com uma das componentes dedicada à História Colonial.
Estes monumentos se encontram neste lugar hoje pelo facto de estarem ligados à origem da fundação da Cidade de Luanda e por ser um dos pontos estratégicos da luta Contra colonialismo.

Considerando a história recente de Angola, a prioridade não era dada a história colonial devido aos danos que o colonialismo causou à vida do povo angolano.  Esta realidade afetou também o sector do Património que ainda não deu um tratamento específico a alguns monumentos e sítios da Administração Colonial. Mas no nosso inventário constam vários edifícios e palácios que serviram de residência aos administradores coloniais e outros lugares que serviram de ponto de resistência ao colonialismo (as fortalezas por exemplo).

JC – A Convenção sobre a Proteção Do Património Mundial, Cultural e Natural, considera como “património cultural” as obras arquitetónicas, esculturas ou pinturas monumentais, Objetos ou estruturas arqueológicas, inscrições, grutas e conjuntos de valor universal excecional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência. Cabo-Verde, por exemplo, conserva até à data todos os monumentos herdados do regime colonial. Dentro da definição da Convenção pode o monumento a Diogo Cão, por exemplo, regressar ao largo frente ao Porto de Luanda?

ZD - A instalação de qualquer monumento dentro de uma cidade depende muito da importância que o Governo, a sociedade civil e as comunidades acordam a este bem considerando o papel que certa personagem jogou na História de qualquer país e a sua ligação comos desafios passados, presentes e futuros. A grande questão que devemos nos colocar aqui é de saber se a descoberta do Continente Africano (de Angola, em particular) feita pelo Diego Cão representa algo simbólico e histórico para o povo Angolano?
Se for, sim, não se coloca qualquer obstáculo para que no futuro o monumento desta personagem seja reinstalado ao largo frente ao Porto de Luanda. Mas se esta personagem é encarada como um colono, talvez no estado atual das coisas, será um pouco difícil que se dê um tratamento especial a este assunto.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Castro Soromenho

Castro Soromenho escritor africano

Por RODRIGUES VAZ


Completaram-se 100 anos no passado dia 31 de Janeiro que, em 1910, na Vila de Chinde, Moçambique, nascia Fernando Monteiro de Castro Soromenho, filho de pai português que foi governador de Luanda e de mãe cabo-verdiana, o qual, depois de ter passado a sua infância e juventude em Angola, se veio a tornar, durante a sua segunda estada em Portugal, um dos pioneiros da ruptura com a até aí chamada literatura colonial.

http://jornalcultura.sapo.ao/letras/castro-soromenho-escritor-africano

domingo, 11 de março de 2012

João Francisco, Galeria 111, 2012: "Uma montanha de coisas"

 11/03/2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Fernando Lanhas, Museu de Etnologia do Porto

 Sobre o museu que FERNANDO LANHAS dirigiu de 1973 a 1993, então encerrado por ameaçar ruína:

JN, Porto

Um certo museu

Publicado em 2006-11-23

 
 
JORNAL DE NOTÍCIAS
sem indicação de autor

"Noticiaram os jornais que, finalmente, o problema do Museu de S. João Novo ia ter solução, com a aquisição do edifício e a reactivação daquela instituição. E também que o Museu de Arte Popular, de Lisboa, seria extinto. Espantei-me. Quanto à segunda questão, os lisboetas que se havenham com ela, e esbracejem (ou não) como entenderem. A primeira, sim, interessa-me. E muito.

A situação do antigo Museu de Etnografia e História do Douro Litoral é não apenas um escândalo, mas uma indignidade cívica. E só num país que perdeu o sentido do verdadeiro progresso - que também passa pela existência de bons museus, onde se faça a instrução do público -, o que lhe sucedeu poderia acontecer. Se quiserem, só num país que perdeu o decoro uma herança como a consubstanciada no espólio daquele museu poderia ser menosprezada.

O Museu de S. João Novo foi fundado em 1940, sob o impulso do dr. Pedro Vitorino, quando a Junta da Província do Douro Litoral alugou aos descendentes do "opulento capitalista" Pedro da Costa Lima o belo palacete setecentista daquele largo. A partir daí, graças a personalidades como Augusto César Pires de Lima, Armando de Matos, Bertino Daciano, Eugênio da Cunha e Freitas, Fernando de Castro Pires de Lima e outros, o Museu recolheu uma notável colecção de objectos, equipamentos e documentos representativos das artes e ofícios, actividades do quotidiano e manifestações festivas - além de peças arqueológicas, litúrgicas e do que podemos definir, abreviando, por elementos do folclore - do chamado Douro Litoral (com relevância para a própria cidade do Porto).

Segundo os critérios (ou, como agora se diz, o paradigma) da época, o programa museográfico da instituição seria estabelecido a partir da distribuição das colecções por salas correspondentes às diferentes temáticas. Havia, assim, as salas dos teares, linho, trajo, mobiliário, brinquedos, rendas e bordados, habitação, jogos e cangas, barcos, medicina popular, religiões, arraial, e amor popular, reunindo milhares de peças da maior qualidade e algumas (estou a lembrar-me dos jugos e cangas) de valor hoje incalculável pela raridade. Além disso, o Museu publicou, ao longo dos anos 50, a revista "Douro Litoral", a que sucedeu, entre 1963 e 66, a "Revista de Etnografia", arquivos incomparáveis de uma escola portuense de etnografia e fontes preciosas para o conhecimento do país (e não só, pois nelas colaboraram investigadores de outros países). E, além do resto, os espaços pertencentes ao Palacete-Museu de S. João Novo guardam dos melhores panos conservados da Muralha (dita) Fernandina da cidade.

Tudo se encontrava exposto, arrumado, explicado, com critérios ultrapassados, é certo, mas, sobre isso, ponto final, parágrafo (o Museu do Quai Branly, recentemente inaugurado em Paris, reuniu as colecções oriundas do antigo Museu do Homem, recolhidas no período colonial puro e duro segundo a visão eurocentista de "artes primitivas" mais do que enterrada. Tal facto não impediu a adequação daquele fantástico repositório de objectos, rebaptizados segundo o conceito de "artes primeiras", ao mais moderno museu europeu). E, com a direcção do arquitecto Fernando Lanhas, o Museu de S. João Novo ganharia novos atributos no campo da história da evolução do Homem no Universo e da adequação de algumas colecções a perspectivas museológicas dirigidas para uma vocação didáctico-pedagógica.

No início dos anos 90, o Museu foi encerrado devido às precárias condições do edifício e aos riscos de deterioração dos objectos. E o problema não mais teve solução. Correram rumores da sua extinção, da dispersão das colecções ou da transferência para outro concelho. Desmantelou-se a rica biblioteca , armazenaram-se peças num local da cidade (em condições tão más quanto as do edifício). Dizem-me que a colecção de brinquedos já saiu do burgo.

Quinze anos depois, mantém-se o lento assassinato de uma instituição organizada com tanta dedicação por um punhado de homens devotados a uma causa que os burocratas-funcionários da cultura nem categoria têm para entender, quanto mais respeitar. O Museu de S. João Novo poderia constituir, com um programa moderno e novo fôlego, um pólo activo de conhecimento das tradições da cidade e sua região, um recurso educativo de primeiro plano, um motor dinâmico da regeneração do burgo. É possível, em pleno século XXI, na Euro pa, pensar-se que desenvolvimento, competitividade, produtividade, modernidade e outros tops não são, antes do mais, questões culturais num quadro civilizacional? E quanto tempo mais teremos de continuar a suportar vergonhas - que desmentem a civilização - como o desprezo e o abandono votado ao nosso Museu (que foi) de Etnografia e História?

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e esta coisa antiga em Área Metropolitana do Porto

Titulo Agentes bullet menu Museus bullet menu Porto bullet menu Museu de Etnologia do Porto

Entidade
Instituto Português de Museus

Descrição
O Museu de Etnologia do Porto foi criado em 1945, sob a designação de "Museu de Etnografia e História do Douro Litoral". Desde a O Museu de Etnologia do Porto foi criado em 1945, sob a designação de "Museu de Etnografia e História do Douro Litoral". Desde a sua fundação, o museu encontra-se instalado no Palácio de S. João Novo, datado do séc. XVIII, que estudos recentes apontam tratar-se de um projecto de arquitectura da autoria de António Pereira. O Palácio de S. João Novo sofreu uma degradação acentuada desde 1970, com reflexos particularmente negativos nas condições de conservação das colecções etnográficas. Em 1989, o museu transitou para a tutela do IPPC e, em 1991, para o IPM, vindo a ser encerrado ao público em 1992 dado o avançado estado de ruína do imóvel. Desde então, o IPM tem vindo a diligenciar pela salvaguarda do espólio do museu, traduzida, numa primeira fase, pelo depósito das suas colecções em diversos museus, com vista à sua protecção. Numa segunda fase foram efectuadas, com a colaboração da DGEMN, obras nas coberturas e na fachada do Palácio. Numa terceira fase, o IPM procederá à resolução da actual situação do Museu, o que ocorrerá posteriormente ao processo de sistematização do seu inventário.

Localização
Porto

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O museólogo Fernando Lanhas (director entre 1973 e 1993) não devia ser esquecido, em particular pelo museólogo João Fernandes (director de Serralves, de ? a ? - já me esqueci). Mais do que "pioneiro do abstraccionismo", F.L. foi o continuador de Augusto César Pires de Lima (1888-1959), responsável pela criação do Museu de Etnografia e História do Douro Litoral, e do seu sobrinho Fernando Castro Pires de Lima (1908-1973), médico e etnógrafo, que lhe sucedeu.

Também foi o arquitecto e responsável pela montagem do Museu de Conímbriga (1982), e projectou e organizou a montagem do Museu Municipal da Figueira da Foz (1980), entre vários outros museus e exposições. Na sua cronologia do catálogo de Serralves tb se pode ler "Executa o projecto geral da recepção ao Papa João Paulo II na Diocese de Porto" (1983).


 

Fernando Lanhas 1945, 1957 (São Paulo)

 

FERNANDO LANHAS, algumas datas


Durante as Exposições Independentes (1943-1950), Lanhas colabora com a página Arte do vespertino "A Tarde". Esteve ligado à iniciativa da publicação no contexto do final da 2ª Guerra (também com Victor Palla, então muito activo no Porto); não escreve, mas publica desenhos. Foi Lanhas que sugeriu o nome de Júlio Pomar a António Cruz para dirigir o suplemento. Nomeadamente: 



Estudo para "Tambores", 1945. (23-6-1945)

Por ocasião da vinda dos Independentes a Lisboa, com palestras de Victor Palla e Júlio Pomar que a Vértice publicou. Lanhas expôs pela 1ª x O Violino (dp O2-43-44), e tb Rochedos (Ansiedade), de c. 1945.

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 A crítica é do depois brevemente surrealista (oriundo da António Arroio) Fernando José Francisco.

 

sobre Lanhas: “Fernando Lanhas fabrica abstracções. No mais característico da abstracção, a de Gleizes, por exemplo, apresentava-se um tipo de composição, de linha e côr, em que se pretendia resolver os ritmos fundamentais e psicològicamente certos da vida actual, segundo a desumanização que se acreditou necessária em toda a chamada Escola de Paris. O que nos ficou, foi apenas um esquema, apenas útil sob o ponto de vista didático. Isto não é apontado porque F. Lanhas apresente as mesmas características, tanto mais que êle se mostra muito mais desinteressado ainda. O congestionamento de “arte a mais” dá em não se olhar à pintura as suas
características fundamentais. Fernando Lanhas a continuar assim, tem (apesar de malhar em ferro frio) de cuidar mais dos seus meios - embora não haja êxito possivel, pois não encontrará o apoio, a base que lhe determine a melhoria da expressão. Mas é de esperar que reveja as suas idéias e as ponha de acordo com as realidades.”
Fernando José francisco, in Lisboa - a exp independente no IST
Com Estudo para "Tambores", 1945. (23-6-1945)

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Arte nº 11, 18-8-1945. O desenho será um estudo para Velha Branca, 1945 (à esq. Jack Levine. No alto da pág., uma citação de André Breton: "E trata-se, no entanto, sempre da vida e da morte, do amor e da razão, da justiça e do crime. A partida não é desinteressada!")


Anos 50, depois das Exposições Gerais (expôs na 3ª, em 1948) e do surgimento da Gulbenkian, num momento de relativa "unidade"

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IV Bienal de São Paulo em 1957, representação organizada pelo SNI com a colaboração dum júri eleito pelos artistas concorrentes, com apresentação de J.-A. França. 2 dos 9 são Azevedo e Lanhas

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+ Carlos Botelho, João Hogan, Joaquim Rodrigo, José Júlio, Júlio Resende, Nikias Skapinakis e Vespeira,

seguido por nova divisão em 1959 entre artistas que pactuam com o SNI e os Independentes que expõem na SNBA. As exposições abriram no mesmo dia

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A capa do catálogo da esq. é de Sebastião Rodrigues. César Moreira Baptista é autor do prefácio. Artur Bual teve o prémio de pintura

 



 

domingo, 14 de novembro de 2010

Eduardo Batarda, 1983 1992 2001 2004 2010 2011

1983


Uma exposição:


Batarda na 111


DN 09 02 83, caixa


Eduardo Batarda Fernandes está de regresso com uma importante exposição na Galeria 111, ao Campo Grande, que vem demonstrar a constância de uma notável carreira e, simultaneamente, dar a conhecer uma nova direcção do seu trabalho.

Dois processos, a aguarela e o acrílico, e duas fases cronologicamente diferenciadas, de 1972 a 1980 e deste ano a 1982, marcam as obras agora mostradas: as agrupadas no primeiro período são a reapresentação - já em grande parte observada na exposição que em 1979 Batarda fez no Teatro da Cornucópia, ou até na que como bolseiro levou à Gulbenkian em 1975 - de uma imaginativa figuração sarcástica classificável dentro das fronteiras da «pop-art». Nas pinturas posteriores a 80, observa-se uma decidida viragem assente, contudo, sobre fundamentais continuidades.

As obras despem-se do seu aparente suporte anedótico, substituem ao comentário de elementos da actualidade política ou de narrações paródicas a ocasional referência a fragmentos de realidade («Candeeiros, cubismos, cães e colunas»), integram o seu erotismo no diálogo das cores, prescindem da anterior rede de cruzadas mensagens escritas. Afastando-se da citação dos «comics» e da anterior legibilidade narrativa e satírica, os novos acrilicos de Batarda mantêm a mesma ausência de espírito construtivista <??> e um idêntico humor paródico exercido sobre os elementos da pintura, os «significados» e os estilos.

A meticulosa anotação de pormenores, o rigor da execução sob a «desordem» das citações, inscrições e grafismos, o trabalho de sobreposição de possibilidades de leitura, convertem-se, na sequência de algumas aguarelas onde os elementos figurativos iam rareando (sem que tal facto alterasse os processos de composição, ou assumindo explícitas sugestões de mapas), numa luta contra o domínio do desenho, numa mais livre prática da pintura, tão pouco interessada pelas evidências ou pelas conveniências da «arte» como os trabalhos anteriores.

Estritamente pessoal, mesmo quando se cruzava com as «novas figurações» dos anos 60 ou se deixa comparar a outros «regressos à pintura», o trabalho de Batarda, agora lançado numa investigação (que o número das obras expostas mostra ser intensamente trabalhada) de novos caminhos, reafirma-se como um dos importantes itinerários plásticos que entre nós se percorrem.

As aguarelas de Batarda foram, num plano imediato de leitura, um inventário de actualidades e de «citações» mitológicas, políticas, literárias, de crítica mordacidade, que o autor, porém, expressamente assumia como «um comentário permanente ao estado

actual das artes visuais». É óbvia a permanência nos trabalhos recentes dessa mesma vontade do «comentário”, que investe por igual sobre a sua própria produção. Abandonada a carga «literária» e ilustrativa dos primeiros trabalhos, a pintura de Batarda

continua a ser um exercício de humor. Continuidade de um posicionamento pessoal, essa é também uma via de radical actualidade.


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EDUARDO BATARDA

111

EXPRESSO, 1983 23 fevereiro, nota


“O meu trabalho», dizia Batarda em 1975 (referindo-se então às aguarelas directamente satíricas em que uma figuração bem legível era aproximável de uma origem Pop), tornou-se «um comentário permanente ao estado actual das artes visuais». Dez anos depois, passado da aguarela ao acrílico e praticando uma pintura em que um primeiro olhar não encontra relação com a obra anterior, o trabalho de Batarda é também um comentário ao estado actual da pintura.

Nesse comentário se soma à mesma ironia, uma extensa informação (e Batarda foi também autor, em 74-75, de críticas de arte de grande rigor, certamente bem incómodas também para os críticos de ofício) e uma originalidade criativa a grande altura: o dito comentário não é uma actividade apenas analítica, defensiva ou austera, mas uma intensa prática que através de varios desafios e riscos se coloca, hoje num primeiríssimo plano da criação plástica.

Prática por isso, claramente afirmativa, onde o humor continua a ser uma das qualidades no reexame do que podem ser os temas ou pretextos da pintura, as regras de composição, os códigos de oficina ou de leitura. Prática sem literatura, mesmo quando o prazer ou gozo desta pintura se prolonga nos titulos de cada peça (exemplo «Capitel/ Pêndulo (Terror)») ou nas inscrições codificadas de alguns quadros.


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1992


Dificuldades e armadilhas


Batarda pinta com ideias (de pintura), mas não tem só uma ideia de cada vez



EDUARDO BATARDA 

Galeria 111

Expresso 4 04 1992


Reconhece-se o estilo, a autoria, logo no tratamento das superfícies lisas, envernizadas, aparentemente a preto e branco, e tambem na malha das barras/riscas que ora são rectas, ora se encurvam e sobrepõem, ora se enredam em elípticos turbilhões: um quadro reinvia-nos sempre para outros quadros. Observa-se depois a variação desde as telas da última exposição (em Lisboa, Dezembro 1989): os formatos são menores e a fragmentação e acumulação dos elementos menos vertiginosa.

Percebe-se, a seguir, no formato dos quadros, no sistema de composição e nos títulos, e por último no texto de E.B. incluído no catálogo, que o retrato ou «a cabeça» (o género académico, a «figura») ocupam o pintor em parte significativa do que expõe. Mas estamos sempre perante enigmas (ou paródias de enigmas): o retrato aqui não é figuração, não representa o mundo nem transporta expressão emocional ou carga simbólica - Batarda pinta com ideias (de pintura, claro), coloca «dificuldades e armadilhas» ao espectador, e cada elemento é sempre a ocultação-sedimentação de outros elementos, o «significado» de cada forma é sempre a possibilidade da deslocação permanente e infindável do seu sentido (não há uma chave última).


Estes quadros, escreve E.B., «"baseiam-se" na representação cónica dos Infernos (é mentira) combinada (o gajo quererá dizer "icónica"?) com as cabeças, urnas, torsos (tónica?), couraças, escudos de armas, e pelo menos um objecto reconhecível da tradição modernista (mentira?)». (Sic)

Não escreve, mas vê-se que um «objecto reconhecível» é o secador de garrafas de Duchamp. Não se trata de uma citação, mas de um comentário (o objecto é invertido e «analisado» do interior - ver, por exemplo, Seca e Interior), ou de uma atitude (persistir na reconciliação de Duchamp com a pintura, o que para a história se deve atribuir definitivamente a Jasper Johns), e também da conversão de uma forma escolhida em emblema neutro, deslocando o seu carácter específico para o interior de uma outra estrutura, tomando-a por base de uma nova «multiplicidade de níveis de interpretação».

Outra passagem por Duchamp parece também fazer-se, a propósito das «cabeças» ou caveiras/retratos: é a Fonte ou urinol, como sugere explicitamente um título, “Fontana Candida”. Mas Batarda avisa-me que este é o nome de um vinho romano (há outros dois vinhos na exposição: Batard-Montrachet e Bucelas); e, como se sabe, Fontana é o nome de outro pintor, Cândida é neme de mulher, e as fontes na pintura são ainda uma memória antiga — como sempre, tudo se complica também pelos lados da história e da autobiografia. O retrato não é representação, nem pretexto para fazer «abstracção»: é, se se quiser, motivo, uma maneira de começar um quadro, uma escolha indiferente, talvez uma imagem-tipo, e o valor referencial importa menos (nada) que as operações em jogo na pintura, as regras e sistemas da pintura, o encontro com as imagens da tradição e da atualidade da pintura, o entendimento do acto de ver e do que ser artista quer dizer.


Nada está ali para facilitar a vida ao espectador (embora esta pintura também seja, natural e intencionalmente, decorativa - mas não se julgue que esta e uma palavra fácil). O exercicio artesanal/pictórico é aqui uma prática da inteligência e de conhecimento («há sempre quem veja erudição no alfabeto», E.B.), onde o humor rima com o enigma (teriamos metafisica ou esoterismo sem o humor) — mas nunca a pintura foi só um exercitar da visão, e Duchamp foi mais uma chamada «à ordem». Sabe-se que a (aparência de) actualidade («uma ideia de cada vez», E.B.) não suspende o tempo, antes e depois — o trabalho de Batarda já tem um tempo longo (gozo nosso, problema dele) e antes outros pintores houve, o que não lhe traz, escreve, «desejos de intemporalidade». Por isso, os seus quadros «deverão fingir anacronismos ou, talvez, paródias de tentativas de acronismos». «Não são "de agora". São quadros».

No texto do catálogo, Batarda diz ainda que «fazer contra» e «opor-se à estupidez» foram o seu programa desde sempre. Ele é o melhor «leitor» da sua pintura e avisa agora que abandonou a subversão e se instalou na neutralidade. Não faz «exercícios de espirito»; menos programatico, trabalha a pintura «entre a dúvida e a indiferença».





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Eduardo Batarda

Galeria 111, Porto   

26-05-2001

Batarda não costuma facilitar a vida ao espectador e é sempre conveniente avaliar com precaução as pistas que fornece ao apresentar a sua pintura. Desta vez ele próprio avisa que é costume ser tomado a sério quando está manifestamente a brincar. Ao dizer agora que com as suas mais recentes obras quis «memorizar as pinturas e mais bonecadas que ornamentam alcovas e roulottes das nossas porno-divas favoritas», com referência precisa aos filmes X da TV Cabo, a pista é decididamente inverosímil, mas constituirá um travão à pulsão interpretativa que procure traduzir a pintura em representações e significados. 

O que vemos é um exercício de encobrimentos, ocultações e camuflagens que torna inviável o reconhecimento do que quereríamos encontrar no quadro para repetir e confirmar o que já vimos noutro lado. É de pintura que se trata, como realidade própria, com o seu acontecer irredutível a outra sorte de imagens, e é de uma autoria e certamente de um estilo que se dão provas, sucedendo-se a si mesmo sem se programarem como capítulos ou séries. E entretanto há indícios a seguir, como sucede no título do mesmo texto, «Cataventos — Paisagens — Suburra», sendo o último o nome de mal afamado bairro de Roma e, portanto, a sequência dos anteriores quadros «porno-romanos». Paisagens, logo pelo formato trabalhado, algumas saloias, outras elegantes ou turbulentas nos seus labirintos vertiginosos. 

Mais uma «radiografia», que serve de pista para a presença do corpo e talvez do retrato como género, bem como de ponto de partida para uma diferente «maneira» em que se trocam as relações entre figura e fundo, em espaços intersticiais que se conjugam nas curvas e contracurvas de formas invasoras com sugestões orgânicas e heráldicas, «cataventos» abertos a muitos sentidos. (Até 26 Jun.)


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Eduardo Batarda  

Gal. 111  

 06-06-2004

«Miniaturas e Pequenos Formatos»: o título refere-se apenas às dimensões das obras expostas, em papel e em tela. Pode ser um convite a que o espectador suspenda a necessidade, ou vício, de traduzir o que vê, entendendo a arte como algo a decifrar (enigma a interpretar como apropriação do real, desejo de transcendência, etc.), e veja apenas: superfícies lisas de cores diversas que são invadidas ou rasgadas por uma forma única ou unificada, proliferante, ora incisão ziguezagueante ora mancha mais rotunda - mas essa «dialéctica» entre figura e fundo perturba-se com as relações entre as respectivas cores (e não-cores) e, ao reconhecer-se na superfície aparentemente lisa que começa por ser fundo, um acto de encobrimento do que já estaria por baixo. Essa prática da ocultação ou da camuflagem torna-se agora apagamento ou obliteração e parece ser aqui levada (depois de estar presente em ciclos de obras anteriores como estratégia de multiplicação de citações, referências e comentários) a uma dimensão extrema, que, em vez de criar enigmas ou segredos, impugna a possibilidade de designar sentidos, para além do sentido determinante dessa própria e decisiva recusa. As tais formas serpenteantes ou gordas «parecem» orgânicas (esqueletos, intestinos ou outros órgãos, possivelmente sexuais, contornos e interstícios de corpos) e, por vezes, prolongam-se, sem interrupção, em formas cortantes que lembram lâminas, serras, pregos, talvez armas ou objectos de tortura - mas estamos apenas diante das nossas projecções. Referências que o artista fez a filmes pornográficos foram pistas marcadas pela ironia, a associação a tatuagens não serve de chave de leitura iconográfica, ou seria apenas uma estreita pista sem saída. Voltando ao formato, recupere-se apenas a classificação como retrato (face à horizontalidade da paisagem), para dele restar a sua impossibilidade, e recorde-se essa outra marca aristocrática de identidade que é o brasão, substituído por vísceras, fissuras e outros acidentes graves. (Até 19)


Galeria 111, "Bicos"

11/14/2010, Blog Typepad


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2011

Eduardo Batarda, “Outra vez não" (Fundação de Serralves, Porto, até 11 de Março) 

O título insólito adequa-se a uma obra que tem feito do humor sempre idiosincrático uma das suas linhas de continuidade, entre a erudição e a auto-irrisão, levantando com múltiplas armadilhas, com inscrições e ocultações, a questão de como interpretar a pintura e as imagens, as suas eventuais referências e os comentários que as acompanham. Os seus inícios propunham narrativas críticas, ligadas à cultura pop e comparáveis aos imagistas de Chicago; as obras posteriores tornaram-se crípticas. A retrospectiva (que se segue à de 1998 na Gulbenkian), é uma coprodução com a Fundação EDP e está associada à atribuição do Grande Prémio EDP Arte em 2007.