segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Primitivismo e primarismo, um catálogo ilustrado

 

IMG_6625
IMG_6625
Houve tempos, já democráticos (ou tempos anteriores...), em que a investigação sobre relações ultramarinas e coloniais (não é o mesmo) se processava sem que o "primitivismo" ideológico (ou primarismo, o que não é o mesmo) tingisse a exploração e a exposição dos respectivos resultados. A informação internacional, designadamente francesa, podia sustentar referências e conhecimentos. Recuou-se... a partir da FCT e dos institutos universitários. Acabámos ao nível do Bloco, tal como aconteceu com a exp. ainda presente no Museu de Etnologia, "Desconstruir o colonialismo...", com direcção de Isabel Castro Henriques, autora importante num penoso fim de carreira.

Escreve-se logo a abrir o texto de apresentação: "A colonização e os fascismos, e o desenvolvimento da cultura e do consumo de massas no seio do mal-estar da Europa, impulsionaram o fascínio e a fetichização em torno de culturas que foram consideradas «remotas», «primordiais», «primitivas», «ingénuas», «arcaicas», «selvagens», «primevas», entre outras designações."
Há por aí uma grande amálgama de tempos e factores (colonização, fascismos, cultura e consumo de massas, mal estar da Europa - e acontece que "fascínio" e "fetichização em torno" são pistas inseguras de análise.

Desconsiderar o iluminismo e as ciências antropológicas, no seu crescimento sucessivo; a dinâmica complexa das explorações, aventuras e ocupações de terreno, e das deportações, emigrações e colonatos; em Portugal, o republicanismo e o progressismo colonialistas à volta da Seara Nova, mesmo que ainda talvez acriticamente racistas; bem como as contradições internas do colonialismo e entre políticos de Lisboa e colonos, são tropelias chocantes que têm aqui curso académico, escolar e museográfico.
 
É certo que a específica perspectiva de trabalho é a valorização artística do "primitivo", o "primitivismo" moderno, que alimenta uma sequência de rupturas (o cubismo, o expressionismo, o dadaísmo, a antropofagia brasileira, etc), mas isso não justifica que se misturem e se recortem e censurem realidades históricas de contexto.
Não quis ir a Guimarães, à exposição, para não conflituar com duas comissárias que me são simpáticas (já tinha ido a Braga ver uma muito irregular exposição universitária sobre a Lunda e o Museu do Dundo, que teve outra origem e ficou bem sem catálogo...), mas digo agora que o catálogo, que finalmente folheei e logo fui comprar pelo discurso visual (textos sintéticos, graficamente atraente, impr. Maiadouro, 38€, 408 pags, tiragem não indicada), é um repositório muito vasto de imagens (ilustrações, capas e cromos) relativas à exploração ultramarina e colonial que vale a pena percorrer, com o devido alerta quanto à cegueira académica e  aos desvios facciosos.


"Problemas do primitivismo - a partir de Portugal", Mariana Pinto dos Santos e Marta Mestre (editoras), ed. Centro Internacional de Artes José de Guimarães / A Oficina CIPRL e Documenta. Nov. 2024.


Retomo na íntegra o parágrafo inicial: "Pode considerar-se que aquilo que ficou conhecido como «primitivismo» tem uma longa história <estendendo para trás o conceito com o anacronismo necessário>, mas foi no fim do século XIX e princípio do século XX que se expressou de forma inequívoca. A colonização e os fascismos, e o desenvolvimento da cultura e do consumo de massas no seio do mal-estar da Europa, impulsionaram o fascínio e a fetichização em torno de culturas que foram consideradas «remotas», «primordiais», «primitivas», «ingénuas», «arcaicas», «selvagens», «primevas», entre outras designações. A apreciação e valorização por artistas, intelectuais e marchands de objectos vindos de territórios não europeus, na maioria colonizados, mas também vindos de contextos locais, como a arte popular, a par do desenvolvimento exponencial das técnicas de reprodução de imagens, fizeram irradiar a estética primitivista na cultura visual da modernidade no Ocidente." <aliás, fizeram a modernidade anti-académica do séc XX>
 
Por exemplo, há pequenos reparos que apontam ocultações, censuras: chateia-me que a propósito de Cruzeiro Seixas, que viveu em Angola entre 1954 e 1964, que "participou activamente no espaço cultural luandense" e nomeadamente colaborou com o "Museu de Angola", não se refira o patrocínio e o apoio público do industrial e coleccionador-patrono Manuel Vinhas ("A Cuca é da UPA, a Nocal é de Portugal", dizia-se). Eram conhecidas e estão editadas as suas críticas mais ou menos explícitas da política colonial, de exigências desenvolvimentistas (pp. 300-305 capítulo "Mar Português", texto de Marta Mestre 303). Mecenas de Luís Pacheco e tantos outros, os seus discursos, as duas exposições de arte moderna que patrocinou em Luanda, o livro final "Profissão Exilado" mereciam presença.
 
Outro exemplo: nas páginas dedicadas a José de Guimarães (artesanato coleccionado, fotografias, pintura), referem-se "os anos que viveu em Angola" mas omite-se que estava em Angola como militar, engenheiro militar, durante a guerra colonial (pps. 148-153, capítulo "Ingénuo"; e 286-287, "no contexto da guerra colonial” - não é uma acusação). Já Cruzeiro Seixas viera embora no início da guerra... J.G. é um caso significativo de duplo profissional, sempre militar de carreira (de nome José Maria Fernandes Marques) e artista independente, que frequentou meios da Oposição e veio a trabalhar na NATO na Bélgica (nada contra a NATO...), o que permitiu reforçar a sua circulação internacional. Reformou-se como coronel.

Foto Mario Bastos IMG_0007 macondes 1 9M

FOTO: O Salazar maconde revisto por Pancho Guedes; e na mesma vitrine o cipaio (policia nativo), interrogatório na esquadra (cena de polícia) e vários animais. Foto Mário Bastos/CML. (ver pags 150-159 do catálogo "As Áfricas e Pancho Guedes". Fotos José Manuel Costa Alves.) Aqui págs 162-163 cat. Problemas...
) 

A versatilidade da orgulhosa população maconde, que resistiu à invasão alemã da 1ª Guerra, encabeçou a resistência anti-colonial e em parte se instalou perto de Maputo, sustentando o regime e mantendo tradições iniciáticas, tem como especialidade própria a prática da escultura, em aldeias de artesãos que cumprem encomendas, antes ao gosto colonial e depois ao gosto moderno.

Um dos testes que tenho usado para aferir a qualidade e seriedade das investigações ultramarinas é a presença de Pavia, Manuel Ribeiro de Pavia, ilustrador de Castro Soromenho - e este como escritor colonial e 1º escritor angolano.
 
 

1 2 Soromenho pavia1956 Pavia IMG_5672
De CASTRO SOROMENHO  - A MARAVILHOSA VIAGEM DOS EXPLORADORES PORTUGUESES Lisboa. 1946-8, Empresa Nacional de Publicidade.

 

E também o fotógrafo Elmano da Cunha e Costa, advogado, autor de um metódico levantamento de tipos e costumes em Angola, protegido e colaborador de Henrique Galvão, expositor no SNI e hostilizado por Salazar.

E o antropólogo Carlos Estermann, (1889–1976), missionário espiritano que esteve 50 anos baseado no Sul de Angola (1926–1976), com uma grande produção científica

E a Exposição Angola 1938 que recebeu e intimidou Carmona à chegada a Luanda, imposta e produzida exclusivamente por forças locais. E o sempre ignorado Plano de Fomento então aprovado à força mas que ficou incumprido no tempo da 2ª Guerra.

 

Tudo foi mais rico e complexo do que querem fazer parecer.

IMG_6653 IMG_6650
IMG_6648
Nas fotos: Tudo* o que eu não li (às vezes consultei) - e uma oportunidade para pôr ordem nas estantes. (*Aliás, é só uma parte)

 

 

duas notas bibligráficas que aqui se sinalizam:

Sobre a produção fotográfica de um etnógrafo missionário de origem alemã: Estermann.

http://www.hisfotant.org/pt/on-the-photographic-production-of-a-german-origin-missionary-ethnographer/

 

MANUEL RODRIGUES VAZ, "Pintura colonial e Salões de Arte em Luanda. Do naturalismo paradisíaco à modernidade", Conferência na Universidade Nova, em Lisboa, a 17 de Maio de 2017.:

http://novaserie.revista.triplov.com/numero_65/manuel_rodrigues_vaz/index.html

domingo, 24 de agosto de 2025

EDUARDO LUIZ 1965

 


La Brulure de mille soleils, filme de Pierre Kast, animação de Eduardo Luiz






RETRATO DE NORTON DE MATOS 1948

 


terça-feira, 19 de agosto de 2025

Augusto Alves da Silva 2009 - 2021 CRONOLOGIA (in progress)


Em 2009 o Museu de Serralves dedicou ao Augusto Alves da Silva uma retrospectiva com o título "Sem Saída / Ensaio sobre o Optimismo" - "Dead End / An essay on optimism". Com catálogo; comissários João Fernandes e Ricardo Nicolau.
Em 2013 o Centro de Cultura Contemporânea - Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras mostrou "Book v2.1" , uma segunda versão da série "Book" apresentada em Serralves.
O AAS também mostrou em 2013 uma foto inédita - Sem título (tiro) - na Pequena Galeria e falámos de uma individual que não se concretizou.



Em 2016 todo o espaço do Museu de Elvas Colecção Cachola - Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE) - foi ocupado por uma grande exposição antológica, "Crystal Clear", ou seja, perfeitamente claro, transparente (não houve patrocínios para um catálogo, mas várias obras entraram na Col. Cachola - ver o seu site). Comissário: Carlos Vargas.
Também em 2016 expôs duas importantes novas obras (instalação de fotografia e um vídeo) na Appleton: "Cielo y Luz".

Encontrei ainda notícia no blog do Augusto de uma série inédita de oito fotografias apresentada numa mostra colectiva em Vila Nova de Gaia, 2018 ("Não é ainda o mar" organização Sismógrafo e Óscar Faria) : Rain @ Gaia Todo um Mundo. Tinha exposto no Sismógrafo, uma pequena associação-galeria do Porto, em 2017: "Paradise City".
E em 2020 e 2021 colaborou em mostras colectivas da galeria Madragoa em Roma, com Luiza Teixeira de Freitas: 'Instructions for life among invisible barriers' e "Un Cuore due Capanne" 2020, "Embora" 2021.
Já em 2021 a Ist Press editou o livro INSPIRAR. EXPIRAR. FOTOGRAFAR: "Durante o ano de 2020, tendo por contexto a primeira vaga de pandemia de Covid-19, e ao longo de cinco meses, o autor acompanhou e fotografou o projeto de ventilador “Atena”, desenvolvido pelo centro de engenharia CEIIA (centro de excelência para a inovação da indústria automóvel), que se adaptou, tal como outros centros de investigação e universidades, para criar parcerias e soluções que pudessem contribuir para o combate à pandemia." Dizem-me que o Augusto o considerava um dos seus melhores livros.
Depois de uma década de 90 de grande circulação e reconhecimento, com muitas exposições, encomendas e edições de livros, o presente quarto de século foi sendo vivido como o tempo de uma amarga e asfixiante consagração, de que sobram agora os elogios. E foi também o tempo do agravamento do estado de saúde.
um blog discreto e lento, interrompido e revisto/diminuido pelo AAS: 2016 e 2019: https://augustoalvesdasilva.blogspot.com

domingo, 17 de agosto de 2025

Augusto Alves da Silva : Apontamentos

 apontamentos

«esta é uma arte difícil — aquela que teima em não ser artística»,
Jorge Calado, «Refutações do estilo», Ist 1995.
"Não vou estar presente na Inauguração
Sofro de Claustrofobia". - mail de 19 01 20. (FINE PRINT EXPO 2O08)
"o Augusto defendia aquilo em que acreditava mesmo que isso o alheasse do meio por ser considerado uma pessoa difícil", Lúcia Marques, no FB.
"As minhas imagens são claras e o que nelas aparece é reconhecível. São, de certa forma, aquilo que um fotógrafo amador tenta fazer quando traz fotografias das viagens para mostrar aos amigos: imagens que, à partida, estarão nítidas e enquadradas – não meia maçaneta da porta ou o parapeito da janela.
Quero que as minhas imagens, porque aparentemente cristalinas, possam cativar quaisquer pessoas, para depois confundi-las. Se se sentirem confusas é porque estão a raciocinar. Talvez comecem a não tomar como garantido aquilo que está à frente delas".
AAS
"Há dois anos, num regresso ao London College of Printing (hoje London College of Comunication), falei durante três horas com a Professora Anne Williams, que agora se encarrega de saber sobre o que aconteceu aos antigos alunos. Mostrei-lhe vários livros meus e falámos da vida, nomeadamente do ponto de vista económico. Foi curioso e estranho, porque há trinta anos esta mesma pessoa estaria apenas a falar sobre assuntos como “The Consequences of the Male Gaze and Sexual Objectification” sem qualquer preocupação sobre o futuro económico dos alunos – por exemplo nunca se falou sobre os mecanismos do mercado da arte, as galerias, as feiras e outros aspectos igualmente tão importantes.
De repente, ao ver os livros que lhe apresentei, diz-me: “Oh Augusto! You are one of those few people that could have had a fabulous commercial career and at the same time a brilliant artistic career as well”. Fiquei “speechless”, como se diz em português." AAS, "Entrevista (in)completa" 2019, in "Tecnico"
Vi-o pela 1ª vez, por acaso, na 1ª Bienal de Arte de Sintra em 1987 e referi-o numa nota no cartaz do Expresso sobre a peça exposta, «Prova de Contacto». Ele estava então em Londres e dizia-me depois como foi importante ter sido apreciado..



domingo, 11 de maio de 2025

Mikael Levin's, Cristina's History, 2009 CCB

Mikael Levin's Cristina's History Opened at Museum Coleccao Berardo in Portugal

http://artdaily.com/news/33168/Mikael-

The condition of multiplicity, wandering, and exile, as shown in this story, suggests some principles for an alternative foundation for cultural identification, based on tolerance and shared patterns of  experience.

LISBON.- Cristina’s History takes as its starting point the story of four generations of a branch of 
Mikael Levin’s family, of which Cristina is a descendant.

It unfolds from the mid-19th century to our own times, and streches from the town of Zgierg in 
central Poland to the west-african nation of Guinea-Bissau, by way of Lisbon. These three places, 
photographed between 2003 and 2005, correspond in each case to a narrative which interweaves 
the lives of the characters and historical events to which those biographies are linked. As the trajectory 
of a Jewish family through modern European history, a journey in which each new hope is met with 
invariable disappointment, Cristina’s History challenges the idea of continuous progress. This does not, 
however, mean ceding to nostalgia. nor is it an affirmation of the notion of an ineradicable identity. 
What this work does do is attests to the possibility of inventing one’s life based on, but without being 
dependent of tradition. Although the story – or at least the idea of a story – no doubt determined the 
photographic project, the text and the images in a fact move along parallel lines. It is through the gap 
that the relationships are etablished; between the different histories and the images of the present, 
between the different lives described and the places where they are not, or between the narrative space, 
most often closed and familial, and the visible space, open and public.

From such simplicity shaped by numerous complexities emerges a poetic work cast as a documentary. 
It is a profound autobiographical work, though the author never appears. The space is configured 
around three projection rooms corresponding to the territories represented. Within each room, each 
cycle lasts approximately fifteen minutes and comprises some sixty images. a voice-over tells the 
story. In the rooms devoted to Zgierz and guinea-Bissau, two projectors are mounted back to back 
on a central pivot. The images rotate around the room, like the beams of a lighthouse, stretching and 
bending to the contours of the walls. In the Lisbon room, three projectors cast their images alternately 
at fixed locations.

Artist Statement:

“I met Cristina da silva-schwarz in guinea-Bissau in 2003.

Four generations back our ancestor, Isuchaar szwarc, a renowned Jewish scholar, lived in Zgierz, 
in central Poland. In his lifetime Isuchaar saw his small medieval town transformed by industrialization.
He died as the nazis exterminated the Jewish communities. Isuchaar’s eldest son, samuel, settled in 
Lisbon. a successful mining engineer also known for his scholarship, samuel lived in Portugal during 
the waning decades of its colonial epoch. samuel’s daughter Clara settled in Portuguese guinea in 1947. 
There she and her husband played a prominent role in the anti-colonial movement. since 
guinea-Bissau’s independence, Carlos, their youngest son, has devoted his life to the agricultural 
 development of this impoverished nation. 

Cristina is Carlos’ daughter.

I had always heard of this accomplished branch of my family. It occurred to me that their lives were 
an embodiment of modernity’s positivist belief in mobility and progress. Jewish families are often 
 characterized by patterns of dispersal and migration, patterns that have of late come to characterize 
the world population in general. While my images are specific, my intent is to go beyond the narrow 
 identifications of any particular community. It is the tension between the local and the global that 
interests me.

The condition of multiplicity, wandering, and exile, as shown in this story, suggests some principles 
for an alternative foundation for cultural identification, based on tolerance and shared patterns of 
 experience.”

— Mikael Levin

Born in 1954 in New York where he now lives, Mikael Levin has also lived in Israel and France. His 
work Notes fromthe Periphery was presented at the 2003 Venice Biennale. That same year his work 
was presented in a solo exhibition at the Bibliothèque nationale de France. In 2008, gilles Peyroulet 
& Cie (Paris) presented his exhibition Seuil/ Treshold. Mikael Levin has also published War Story 
(Kehayoff, 1997).