sábado, 11 de julho de 2009

2009, Fazal Sheikh (e Martin Parr) em Bamako

 11/07/2009

Fazal Sheikh é um dos fotógrafos presentes no programa das representações individuais dos Encontros de Bamako, que hoje inicia a sua semana de inauguração para profissionais (e onde eu gostava de estar). Martin Parr comparece com Luxury em resultado de uma primeira parceria de Arles com Bamako. É uma mostra sobre a ostentação da riqueza, à roda do mundo e tb nos novos meios emergentes em Moscovo, Pequim ou Dubai:

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Martin Parr / Magnum Photos: Glyndebourne, Inglaterra, 2008.

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Fazal Sheikh, duas páginas de A Camel for the Sun

Nascido em 1965 em Nova Iorque (de ascendência keniana e indiana), mas sediado também em Zurique e no Kénia, Fazal Sheikh é um "artista-activista" (e é assim que o seu site o apresenta) que tem trabalhado longamente com as populações deslocadas em África, mas também no Paquistão e na Índia, no Brasil ("Simpatia", um projecto em curso), Cuba , etc.

"Fazal Sheikh is an artist-activist who uses photography to create a
sustained portrait of different communities around the world,
addressing their beliefs and traditions, as well as their political and
economic problems. By establishing a context of respect and
understanding, his photographs demand we learn more about the people in
them and about the circumstances in which they live"

Fazal Sheikh

Em Bamako mostra duas das suas séries mais importantes: A Sense of Commun Ground (Scalo, 1996) – que foi brevemente mostrada nos Encontros de Coimbra de 1996 (na Galeria-Bar de Santa Clara) – e A Camel for the Sun (IHRS – International Human Rights Series , 2001) / Un Chameau por le Fils, Actes Sud 2005 (Um camelo para o filho), dedicada aos refugiados somalis que vivem desde há 16 anos no Kénia e em especial nos campos de Ifo, Dagahaley, and Hagadera – cerca de 120 mil e 80% são mulheres e crianças. É uma exposição com uma grande circulação, por exemplo, em 2005, no Martin-Gropius-Bau, Berlin; 2004, The United Nations, New York City; Henri Cartier-Bresson Foundation, Paris (Prémio HCB em 200); Museum of Contemporary Art, Moscow; Museum Ludwig, Cologne; 2003, Tate Modern (nós por cá é mais arte como diria o outro).

Picture 2

"A Sense of Common Ground" is the culmination of three year's documentation of the African refugee camps of Kenya, Tanzania and Malawi. In chronicling these camps, Sheikh captures the aftermath of conflicts throughout African countries including the Sudan, Ethiopia, Somalia, Mozambique and Rwanda."

"As part of the ideology behind the International Human Rights Series and in order to bring the issues contained within A Camel for the Son to an international audience, it may be read in its entirety on-line in both English and Somali. For more information about this project and other projects visit http://www.fazalsheikh.org

Retrospectiva em Madrid em 2009: Mapfre

e agora em San Diego: beloved-daughters-at-museum-of-photographic-arts-in-san-diego

sexta-feira, 3 de julho de 2009

José Cabral. URBAN ANGELS. 2009 ("Human condition")


Human condition

Photography in Mozambique was a great collective adventure for about two decades. It was defined by a few books, which, as a rule, were an extension of exhibits and gestures of international cooperation (Moçambique, A Terra e os Homens, 1983; Karingana ua Karingana, 1990; Maputo - Desenrascar a vida, 1997; Iluminando Vidas, 2002). When Europe discovered photography made by Africans, a few years back, Mozambique was in the front line (Africa, Africa, Copenhagen, 1993; Revue Noire, n. º 15, Paris, 1994). With life slowly turning normal in Mozambique (after the revolution and the civil war, after the election of 1994 or 1999…), the chapter of mobilization and propaganda that had called for photography headed to its natural demise and the routes forcibly turned personal. There had been nototious exceptions, such as José Henriques da Silva with Pescadores Macua (Lisbon, 1983 and 1998) and Moira Forjaz with Muitipi, Ilha de Moçambique (Lisbon, 1983).
The aforementioned adventure had trailblazers, Ricardo Rangel and Kok Nam, who came very soon into a colonial press that was more permissive that the one based in Lisbon and who set the models for the transition. More than some Portuguese tradition (Século Ilustrado?), the exciting example of the photographers of Drum magazine, in South Africa, must have made an impact. The adventure then had its headquarters and school, the Associação Moçambicana de Fotografia [Mozambican Association of Photography] and the Centro de Formação Fotográfica [Photography Learning Centre], in which dozens of photographers were trained, some of them more perseverant than others. It had a documental and political style, as a way to answer to the urgencies of socialism, war, hunger and the reconstruction. Times changed.
José Cabral came to this collective history in a unique way, having trained with his amateur photographer and filmmaker father — he also had a grandfather, homonymous, on his father’s side, who was a governor (1910-1938) and who had a park named after him in the old capital (Continuadores Park, today). He started in cinematography and he joined his experience as a news photographer to documental programmes of a less urgent nature. Later, he was probably the first to distance himself from the routines of journalism, and he made that challenge very clear with the choice of works in display in the Iluminando Vidas exhibit: instead of war, misery, victims, ruins and promises of reconstruction, that can still be seen yet another face for exoticism, he showed feminine nudes without any ethnographical pretext. The representation encountered some problems in Bamako, Mali, photographical capital in a country of Islamic severity.
His photography — particularly the fact that he shows it as the work of an artist — became more autobiographical and even more intimate, albeit free from any pretence to self-reference or narcissism. In the country’s new situation of economic growth, that is a battle that matters, a more individualist battle for convivial spaces. As Linhas da Minha Mão [The lines of my hand], in 2006, during the third edition of Photofesta, was an affirmation of the personal dimension of a gallery of portraits and places — meetings with people, landscapes, cities and trees all through Mozambique’s recent history.
The Urban Angels are children: his own three and then four and other people’s children, street children. The differences of colour and of social condition aren’t hidden, quite the opposite, they make the record of the unbearable inequalities more pungent and penetrating. José Cabral’s images are simple and beautiful, tender and terrible, but they always lack the weightings of chance, artifice and policy that so often are the easy formula of the art of photography. They are simultaneously direct and charged with emotion, without distancing themselves from life in search of metaphors. There’s a personal history and many collective histories in these images of Mozambique. One of them associates General Mouzinho de Albuquerque, who defeated Gunganhana in 1895, to Colonel José Cabral’s great-grandson, who had continued his plans for rail tracks and who made a statue to him, which has meanwhile gone down. It is just a family photograph, a child playing…




José Cabral. ANJOS URBANOS. 2009



Condição humana

A fotografia em Moçambique foi uma grande aventura colectiva durante cerca de duas décadas. Ficaram a marcá-la alguns livros, que em geral prolongam exposições e gestos de cooperação internacional (Moçambique, A Terra e os Homens, 1983; Karingana ua Karingana, 1990; Maputo - Desenrascar a vida, 1997; Iluminando Vidas, 2002). Quando a fotografia feita por africanos foi descoberta na Europa, há poucos anos, Moçambique estava na primeira linha (Africa, Africa, Copenhaga, 1993; Revue Noire, nº 15, Paris, 1994). Com a normalização lenta da vida do país (depois da revolução e da guerra civil, depois das eleições de 1994, ou das de 99…), esse capítulo de mobilização e propaganda a que a fotografia tinha sido chamada encaminhou-se para o seu fim natural e os itinerários passaram a ter de ser individuais. Tinha havido alguns casos de excepção, como José Henriques e Silva e os Pescadores Macua (Lisboa, 1983 e 1998), Moira Forjaz e Muitipi, Ilha de Moçambique (Lisboa, 1983).
A referida aventura teve pioneiros, Ricardo Rangel e Kok Nam, que entraram muito cedo numa imprensa colonial mais liberal que a de Lisboa e construíram os modelos da transição. Mais do que uma tradição portuguesa (o Século Ilustrado?), terá contado o exemplo empolgante dos fotógrafos do magazine Drum, da África do Sul. A aventura teve depois uma sede e uma escola, a Associação Moçambicana de Fotografia e o Centro de Formação Fotográfica, no qual se fizeram dezenas de fotógrafos mais ou menos perseverantes. Teve um estilo testemunhal e militante, para responder às urgências do socialismo, da guerra, das fomes e da reconstrução. Os tempos mudaram.
José Cabral chegou por uma via original a essa história colectiva, praticando com um pai amador de fotografia e cinema – e, por sinal, também teve um homónimo avô paterno que foi governador (1910-1938) e um parque com o seu nome na velha capital (hoje Parque dos Continuadores). Começou pela fotografia de cinema e aliou a prática de foto-repórter a programas documentais menos determinados pela urgência. A seguir, terá sido o primeiro a distanciar-se da dinâmica jornalística, e tornou muito claro esse desafio com a escolha das obras para a exposição Iluminando Vidas: em vez de guerra, miséria, vítimas, ruínas e promessas de reconstrução, que podem ser ainda uma outra face do exotismo, mostrou nus femininos que não tinham qualquer pretexto etnográfico. A representação acabou por ter problemas em Bamako, no Mali, sede fotográfica e país de rigores islâmicos.
A sua fotografia – em especial a forma de a mostrar como trabalho de artista - tornou-se mais autobiográfica e até intimista, sempre sem pretender ser auto-referencial e narcísica. Essa é a outra luta que importava travar nas novas condições de crescimento do país, uma batalha já mais individualista para abrir espaços conviviais. As Linhas da Minha Mão, em 2006, por ocasião do 3º Photofesta, afirmava a dimensão pessoal de uma galeria de retratos e de lugares – encontros com pessoas, paisagens, cidades e árvores ao longo da história recente de Moçambique.
Os seus Anjos Urbanos são as crianças: os três e depois quatro filhos do fotógrafo e os filhos dos outros, as crianças da rua. Há diferenças de cor e de condição social que se não escondem, pelo contrário, e que tornam mais incisivo ou mais pungente o testemunho sobre as insuportáveis desigualdades. As imagens de José Cabral são simples e belas, ternas e terríveis, mas sempre sem os cálculos de acaso, artifício ou programa que são tantas vezes a fórmula fácil da arte fotográfica. São ao mesmo tempo directas e carregadas de emoção, sem se distanciarem da vida à procura de metáforas. Há uma história pessoal e há muitas histórias colectivas nestas imagens de Moçambique. Uma delas associa o general Mouzinho de Albuquerque, o vencedor de Gungunhana em 1895, ao bisneto do coronel José Cabral, que tinha continuado os seus planos de vias férreas e lhe ergueu a estátua, entretanto apeada. É só uma fotografia de família, uma criança que brinca…



texto do catálogo, com 3 poemas de Luís Carlos Patraquim